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guerra israel-hamas As regras da guerra

Processo que acusa Israel de genocídio é mais protetivo que punitivo

Melhor que se pode conseguir é medida cautelar que leve a cessação completa ou moderação da guerra em Gaza

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João Paulo Charleaux

Jornalista e autor de “Ser Estrangeiro – Migração, Asilo e Refúgio ao Longo da História”, trabalhou no Comitê Internacional da Cruz Vermelha

O processo movido pela África do Sul contra Israel na Corte Internacional de Justiça não terminará com algo parecido a uma condenação do primeiro-ministro Binyamin Netanyahu por genocídio contra os palestinos na Faixa de Gaza.

Essa instância não julga pessoas, mas países. Seus juízes não têm o poder de dar voz de prisão a ninguém. E, mesmo que sentenças sejam emitidas contra Israel enquanto Estado, é possível que elas nem cheguem a ser implementadas, como já ocorreu no passado.

Interior da sede da Corte Internacional de Justiça, em Haia, onde começam nesta quinta audiências de processo contra Israel - Thilo Schmuelgen - 11.jan.24/Reuters

A Corte de Haia é uma instância importante e influente. Sua autoridade é, em tese, reconhecida por todos os países-membros das Nações Unidas. As sentenças que os 15 juízes da corte emitem não são estéreis; elas têm efeito no mundo real. O problema é que não existe um poder de polícia capaz de impor medidas aos países condenados, especialmente quando eles são respaldados por grandes potências —como é o caso de Israel com os Estados Unidos.

No curto prazo, o melhor que a África do Sul poderia conseguir na Corte de Haia é uma espécie de medida cautelar, ou decisão liminar, que de alguma maneira levasse a uma cessação completa ou pelo menos a uma moderação no padrão de uso da força dos militares israelenses na Faixa de Gaza. Esse tipo de decisão emergencial daria tempo para que a corte deliberasse sobre o tema principal da querela: a acusação de que Israel comete o crime de genocídio contra os palestinos.

É irônico que Israel esteja respondendo a essa acusação, pois o termo genocídio foi empregado pela primeira vez para referir-se justamente ao extermínio de judeus pelos nazistas na Europa, em 1944. Desde então, passou a designar as políticas voltadas para a eliminação total ou parcial de um grupo de pessoas, de maneira geral. O tema ganhou uma convenção própria em 1948, que entrou em vigor em 1951, com a adesão de Israel.

Nos últimos anos, especialistas em direitos humanos vêm testando a elasticidade de alguns conceitos, atribuindo o crime de genocídio mesmo a países que não estão em conflito armado, como foi o caso do Brasil em relação ao povo yanomami, ou testando o conceito de "refugiado ambiental" quando antes só havia refugiados de guerra.

A defesa jurídica israelense considera que o caso movido pela África do Sul é um exagero, pois não existiria uma intenção deliberada de acabar com os palestinos —mesmo que possa haver ações militares que castiguem civis de maneira desproporcional em Gaza. A África do Sul, é claro, discorda. O argumento é de que a campanha militar israelense simplesmente inviabiliza existencialmente os palestinos.

Politicamente, o caso não deve ser medido apenas pela sentença que produzirá no final, mas pelos impactos que deve gerar ao longo da trajetória até lá. Mais de uma dezena de países manifestaram algum tipo de apoio à causa sul-africana. O assunto tem o poder de aprofundar divisões entre alguns poucos países poderosos e um número ainda incerto, embora certamente crescente, de líderes que denunciam as assimetrias de um sistema internacional ainda incapaz de cumprir suas promessas fundacionais.

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