Descrição de chapéu Guerra da Ucrânia Rússia

Desafiante crítico de Putin se inscreve para a eleição na Rússia

Ex-deputado era visto como peão do Kremlin, mas discurso se radicalizou contra a guerra

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São Paulo

O único pré-candidato contrário às políticas de Vladimir Putin remanescente se inscreveu para concorrer nas eleições presidenciais deste ano nesta quarta-feira (31), prazo final para o registro. Não é certo, contudo, que ele estará na disputa marcada para 15 a 17 de março.

O ex-deputado Boris Nadejdin apresentou à Comissão Eleitoral Central 105 mil assinaturas apoiando a sua postulação. É a cifra mínima exigida pelo órgão, a ser distribuída por todas as 89 unidades federais russas, incluindo aí 2 na Crimeia, anexada em 2014, e 4 na Ucrânia, cujo controle ainda é disputado.

O pré-candidato Nadejdin chega à Comissão Eleitoral Central com uma caixa contendo as assinaturas de apoio à sua postulação presidencial
O pré-candidato Nadejdin chega à Comissão Eleitoral Central com uma caixa contendo as assinaturas de apoio à sua postulação presidencial - Vera Savina/AFP

Nadejdin é um veterano deputado do partido Iniciativa Cívica, de centro-direita, e tem como base de seu discurso o fim da guerra no país vizinho, a integração com a Europa e a revogação de leis anti-LGBTQIA+ preconizadas ao longo dos quase 25 anos de Putin no poder.

"A Rússia deve ser pacífica e livre", disse, questionado pelo jornal The Moscow Times acerca de sua mensagem para o Ocidente. O político não citou, porém, o nome de Putin, e tampouco há registros de ataques pessoais dele contra o presidente —algo que hoje praticamente garante um processo judicial no país em razão das estritas leis de censura implementadas após a invasão da Ucrânia.

Nadejdin, 60, tem um histórico de proximidade com o Kremlin. Foi assessor do então premiê Serguei Kirienko, hoje integrante da administração presidencial, nos anos 1990. Na época, também trabalhou para Boris Nemtsov, político que eventualmente se tornou crítico de Putin e que acabou assassinado em 2015.

Para observadores da política russa consultados pela Folha, Nadejdin tinha as credenciais para ser um "proiekt" (projeto, em russo), jargão dado a esquemas bolados no Kremlin. No caso, ele seria o candidato oposicionista responsável por garantir um verniz democrático a uma eleição que todos sabem que será ganha por Putin por larga margem.

Nas últimas semanas, contudo, a pré-candidatura do ex-deputado passou a angariar apoios. Segundo seu partido, mais de 200 mil pessoas assinaram a petição de apoio à postulação, e filas foram vistas em comitês da sigla em algumas cidades.

Sua retórica acompanhou o aparente aumento da popularidade: segundo a única pesquisa independente que incluiu o seu nome, feita em janeiro pelo instituto Campo Russo, ele ocupava sozinho a vice-liderança na corrida, com 7,8%. Putin, contudo, estava à frente com 62,2%.

Na mais recente avaliação do Centro Levada, referência em levantamentos, a popularidade do presidente batia 83%, o que dá a medida da dificuldade de mobilidade política dentro do engessado sistema partidário russo. Essa situação só se agravou com a repressão política, um cenário que inclui por exemplo a condenação do opositor Alexei Navalni a décadas de cadeia e duras leis contra o dissenso.

A avaliação acerca da inscrição de Nadejdin, a ser feita em até dez dias, deixará mais claro o quão tolerável é seu discurso para o Kremlin. Usualmente, nomes indesejados são reprovados por minúcias técnicas. A ex-jornalista Iekaterina Duntsova, que prometia uma plataforma antiguerra, por exemplo, teve sua candidatura indeferida em novembro.

Na semana passada, o porta-voz de Putin, Dmitri Peskov, afirmou que não via Nadejdin como um competidor com o qual o presidente deveria se preocupar. No ano passado, ele cometeu um "sincericídio" ao dizer que as eleições seriam uma mera formalidade.

Além de Putin, que concorre como independente, mas comanda o partido Rússia Unida, estão na disputa três nomes aprovados pelo governo: Nikolai Kharitonov (Partido Comunista), o nacionalista radical Leonid Slutski (Partido Liberal Democrata), e o liberal Vladislav Davankok (Novo Povo).

Putin ascendeu ao poder como premiê em agosto de 1999. Na virada para o ano 2000, assumiu a Presidência após a renúncia de Boris Ieltsin e, em março daquele ano, foi eleito para o comando do Executivo pela primeira vez. Reelegeu-se em 2004 e resistiu a mudar a Constituição para ficar no cargo.

Viu eleito o pupilo Dmitri Medvedev em 2008 e reassumiu o cargo de primeiro-ministro, dando as ordens na prática. Em 2012, voltou a se eleger, com o mandato já estendido para seis anos. Em 2018, foi novamente reconduzido ao Kremlin.

Dois anos depois, zerou o jogo sob suas regras: promoveu uma mudança constitucional, aprovada depois em referendo, que o permitiu disputar a eleição de 2024 e mais uma reeleição, na prática lhe dando a possibilidade de ficar no poder até 2036, quando terá 83 anos. Se seguir no posto até pelo menos 2028, ultrapassará o ditador soviético Josef Stálin em longevidade no poder.

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