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Equador vai deportar detentos estrangeiros, diz presidente

Iniciativa integra pacote para tentar conter guerra de facções; mais de 130 funcionários penitenciários são mantidos reféns

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São Paulo e Brasília

Diante de uma onda de criminalidade que representa seu primeiro grande desafio na Presidência do Equador, Daniel Noboa afirmou nesta quarta-feira (10) que começará a deportar detentos estrangeiros, principalmente colombianos, para reduzir a população carcerária e gastos públicos.

O anúncio se dá depois de dias de intensa violência no país —ao menos 13 pessoas morreram em decorrência de ataques criminosos da terça (9), e mais de cem funcionários penitenciários eram mantidos reféns até esta quarta.

Soldados em veículo blindado patrulham o centro histórico de Quito após um surto de violência no país - Karen Toro - 9.jan.2024/Reuters

Segundo Noboa, cerca de 1.500 colombianos estão nas prisões equatorianas. Somados a eles, prisioneiros do Peru e da Venezuela representam 90% da população carcerária estrangeira do país.

As declarações foram feitas à rádio equatoriana Canela um dia após Noboa assinar um decreto no qual declara um "conflito armado interno" no Equador —na prática, uma guerra civil. A medida extrema foi resposta à revolta de milícias que sucedeu a fuga da prisão de Fito, líder de uma das principais organizações criminosas do país, os Choneros. O governo diz que a violência é uma reação ao plano encampado por Noboa de construir novas prisões de segurança máxima para isolar os detentos mais perigosos.

Um dia antes, na segunda (8), Noboa já havia declarado estado de exceção para permitir que as Forças Armadas interviessem no sistema prisional equatoriano durante a crise de violência.

Além de prometer separar os líderes de gangues dos outros presos, Noboa reiterou nesta quarta as propostas para combater a corrupção e aumentar a segurança nos portos. Antes visto como pacífico, o Equador vem atraindo criminosos pelo potencial de escoamento da produção de drogas.

A Colômbia, assim como outros países latino-americanos, manifestou apoio ao governo de Noboa e disse que aumentaria a presença militar ao longo da fronteira compartilhada com o vizinho. O ministro da Justiça colombiano ainda afirmou à imprensa local que estava disposto a trabalhar com Quito. Ao mesmo tempo, ressaltou que a lei de seu país determina que as repatriações de detentos devem ser avaliadas caso a caso.

O Ministério das Relações Exteriores da Colômbia não respondeu a pedidos de comentários sobre o plano de deportação feitos pela agência de notícias Reuters.

Enquanto isso, o Brasil também demonstra preocupação com a situação no Equador. Na manhã desta quarta-feira, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) se reuniu com Celso Amorim, assessor especial para assuntos internacionais da Presidência, e com o chanceler Mauro Vieira no Palácio da Alvorada para abordar a crise equatoriana, entre outros assuntos.

O governo brasileiro apoiará uma declaração que está sendo redigida pelo Chile no âmbito do grupo de países da América do Sul signatários do Consenso de Brasília. Integrantes do governo que tiveram acesso às discussões sobre o conteúdo do texto dizem que ele apoia o governo e o povo equatoriano, repudia os ataques criminosos e deseja o pronto restabelecimento da segurança pública no país.

Brasília já havia manifestado apoio político a Quito na terça, em resposta a um pedido da chancelaria equatoriana. Até o momento, essa foi a única demanda do presidente Daniel Noboa, mas diplomatas afirmam que o país ainda deve solicitar ao governo brasileiro outras formas de auxílio e cooperação.

Entenda a onda de violência no Equador

  • O que aconteceu?

    O presidente Daniel Noboa decretou estado de exceção e assinou decreto em que reconhece um "conflito armado interno" no Equador. As medidas foram anunciadas após o chefe da principal quadrilha do país, conhecido como Fito, fugir da prisão, o que desencadeou uma onda de violência.

  • O que é o estado de exceção?

    A medida permite que as Forças Armadas interfiram no sistema prisional em conjunto com a polícia. Também determina um toque de recolher de seis horas, de 23h às 5h. As autoridades ainda podem suspender o direito da chamada inviolabilidade das residências, da liberdade de trânsito no espaço público, de reuniões e de acesso à informação.

  • O que decreto anunciado pelo governo determina?

    A medida lista 22 organizações criminosas como terroristas e ordena operações "para neutralizar" os grupos citados. O escopo das ações não está claro. Outra medida na guerra contra as facções, anunciada pela Assembleia Nacional, é a possibilidade de indultos e anistias a militares envolvidos no combate ao narcotráfico.

  • Como a violência tem crescido no Equador?

    Antes visto como pacífico, o Equador, entre o Peru e a Colômbia, grandes produtores de cocaína, tem portos no oceano Pacífico que vem atraindo criminosos pelo potencial de escoamento da produção. O país está sofrendo com a guerra pelo poder entre organizações com ligações com cartéis internacionais. O ano de 2023 encerrou com mais de 7.800 homicídios e 220 toneladas de drogas apreendidas, recordes para o país.

O presidente equatoriano enfrenta a primeira grande crise desde que assumiu o cargo, em novembro passado. Na posse, o chefe do Executivo prometeu diminuir a violência no país. "Estamos em guerra e não podemos ceder diante desses grupos terroristas", disse ele à rádio Canela, acrescentando que o governo faz o "possível e o impossível" para resgatar e deixar os reféns sãos e salvos.

O Snai, órgão responsável pela administração de presídios do país, afirmou que 125 guardas e 14 funcionários administrativos eram mantidos reféns nos presídios nesta quarta. Onze pessoas foram libertadas na terça, segundo a agência. Vídeos que circulam nas redes sociais mostram as vítimas sendo submetidas a agressões. A Reuters não pôde verificar a autenticidade das gravações.

Noboa afirmou ainda que a melhor maneira de proteger a economia e o investimento estrangeiro é melhorar a segurança e garantir o Estado de Direito. Na terça, os legisladores expressaram seu apoio às Forças Armadas e apoiaram os esforços do governo. O presidente tem uma coalizão majoritária no Congresso, depois que seu partido se aliou ao movimento de esquerda do ex-presidente Rafael Correa.

A imprensa local descreveu a madrugada de terça (9) como uma "noite de terror", com explosões de carros-bomba em atos aparentemente coordenados, além do sequestro de quatro policiais. O caos se manteve durante a tarde, com a violência causando pânico em municípios de todas as regiões.

Maior cidade do país, Guayaquil colapsou, disse o jornal equatoriano Expresso. A publicação relata medo e correria após ações coordenadas de criminosos, que provocaram explosões e sequestraram policiais. Quem não conseguiu voltar para casa se abrigou em restaurantes ou empresas que fecharam as portas.

Na Universidade de Guayaquil, alunos e professores correram assustados e se refugiaram em salas de aula. Relatos que circularam na terça diziam que homens armados haviam invadido o campus, mas a afirmação foi negada pela instituição. O Ministério da Educação suspendeu as atividades presenciais de escolas e faculdades de todo o país pelo menos até a sexta-feira (12).

Várias outras instituições foram esvaziadas. Órgãos públicos permaneciam fechados nesta quarta, e a Assembleia Nacional suspendeu as atividades presenciais por tempo indeterminado. A mesma decisão foi tomada pelo Conselho Nacional Eleitoral, que chegou a cancelar uma sessão plenária.

Já o Ministério da Saúde do Equador suspendeu os atendimentos ambulatoriais nos centros de saúde e hospitais de todo o país. Consultas agendadas e cirurgias planejadas serão remarcadas, comunicou a pasta nas redes sociais.

Após a eclosão da crise, na terça, o jornal Expresso relatou que os ônibus de Guayaquil ficaram lotados às 14h no horário local (16h em Brasília) e que duas horas depois os veículos haviam "desaparecido" das ruas. Quito, assim como Guayaquil, registrou congestionamentos incomuns no começo da tarde.

Colaboraram Matheus Teixeira e Marianna Holanda

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