Descrição de chapéu Financial Times

Países árabes trabalham em plano para encerrar guerra e criar Estado palestino

Iniciativa já teria sido discutida com EUA e Europa e incluiria normalização das relações entre Israel e Arábia Saudita

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Andrew England
Financial Times

Países árabes vêm articulando um cessar-fogo na guerra que se desenrola na Faixa de Gaza e a libertação de reféns israelenses pelo Hamas. A iniciativa seria parte de um plano mais amplo, que ofereceria a Israel a possibilidade de normalizar laços com as nações envolvidas caso ele concordasse com a criação de um Estado da Palestina.

Segundo um funcionário com conhecimento das tratativas, a ideia é apresentar o plano a Tel Aviv em algumas semanas, numa tentativa de evitar uma regionalização ainda maior do conflito. Autoridades árabes já teriam discutido o plano com os Estados Unidos e com nações da Europa.

Vista aérea de Beit Lahia, cidade no norte da Faixa de Gaza, mostra destruição causada por bombardeios israelenses - AFP

A iniciativa pode incluir a normalização dos laços entre Israel e Arábia Saudita —algo há muito desejado por Tel Aviv—, além do compromisso, por parte de nações ocidentais, de reconhecer formalmente o Estado palestino após seu estabelecimento e apoiar o ingresso dele na ONU. Para o funcionário ouvido pela reportagem, isso permitiria dar uma esperança real aos palestinos, coisa que o envio de ajuda financeira ou a remoção de símbolos da ocupação israelense não faria.

O plano surge em um momento em que Israel enfrenta crescente pressão internacional para encerrar sua ofensiva em Gaza —os EUA, um de seus principais aliados, têm intensificado seus esforços diplomáticos para evitar um alastramento do conflito pelo Oriente Médio e encontrar uma solução de longo prazo para a questão israelo-palestina.

Na quarta-feira (17), o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, descreveu a guerra em Gaza como "dilacerante" e destacou a necessidade de um Estado palestino capaz de "dar às pessoas o que elas querem e trabalhar com Israel de forma eficaz".

O ministro das Relações Exteriores da Arábia Saudita, o príncipe Faisal bin Farhan, foi questionado na terça (16) se Riad reconheceria Israel como parte de um acordo político mais amplo. Sua resposta foi "certamente".

"Concordamos que [o estabelecimento de] paz na região inclui paz em Israel, mas isso só poderia acontecer por meio [da criação] de um Estado palestino", disse ele em um painel no Fórum Econômico Mundial, em Davos, na Suíça.

Horas depois, no mesmo evento, o conselheiro de segurança nacional dos EUA, Jake Sullivan, afirmou que Washington continua tentando articular um acordo que leve à normalização das relações entre Arábia Saudita e Israel como parte de seus planos para o pós-guerra. "Nossa abordagem segue buscando avançar em direção a uma maior integração e estabilidade na região", disse o americano.

Há, porém, vários empecilhos a um eventual acordo com Israel.

Após o ataque do Hamas em 7 de outubro, autoridades israelenses alertaram que a guerra em Gaza duraria meses, e o primeiro-ministro Binyamin Netanyahu descartou trabalhar com a Autoridade Nacional Palestina, reconhecida pela comunidade internacional, além de rejeitar a chamada solução de dois Estados.

Em dezembro, o premiê disse inclusive estar orgulhoso de ter conseguido impedir a criação de um Estado palestino. "Todo mundo entende o que teria acontecido se tivéssemos cedido às pressões internacionais e permitido isso", afirmou.

Netanyahu lidera o governo mais à direita da história israelense, que inclui colonos sionistas religiosos que pedem abertamente a anexação da Cisjordânia.

A Arábia Saudita estava a ponto de estabelecer relações diplomáticas com Israel antes do ataque do Hamas. As contrapartidas do acordo seriam um pacto de segurança entre Riad e os americanos —aliados tanto dos sauditas quanto dos israelenses— e o incentivo ao desenvolvimento das ambições nucleares do reino.

Autoridades envolvidas nas negociações do acordo ora suspenso também pretendiam incluir cláusulas relacionadas à Palestina nele, como o congelamento da expansão de assentamentos israelenses na Cisjordânia, mais apoio internacional à Autoridade Palestina, e o estabelecimento de uma rota para a criação de um Estado palestino.

Antes da eclosão da guerra, a ideia era que Blinken visitasse Riad em meados de outubro para discutir o tratado. Mas o ataque do Hamas e a retaliação de Israel em Gaza pausaram as negociações.

A Arábia Saudita vem deixando claro que, apesar dessa interrupção, o reino não descarta uma aproximação com Israel. Também tem ficado evidente que a monarquia teria que prever em um eventual acordo de normalização mais concessões para os palestinos, incluindo em Gaza, com medidas mais concretas em direção à solução de dois Estados.

Uma pessoa com conhecimento dessa situação afirmou que, no esboço do texto, já havia uma proposta de reformulação da Autoridade Palestina, órgão instituído para governar o território temporariamente mergulhado há anos numa crise de legitimidade. Agora, disse essa pessoa, esse elemento precisaria ser fortalecido para que o acordo seja politicamente viável.

Desde os atentados do Hamas, o presidente dos EUA, Joe Biden, afirmou repetidas vezes que só a solução de dois Estados é capaz de fornecer, em última instância, a segurança que Israel tanto almeja.

A possibilidade de uma normalização dos laços com a Arábia Saudita é uma potencial moeda de troca com Tel Aviv, que consideraria o feito uma vitória de seus esforços para desenvolver relações com os Estados árabes. O país rico em petróleo se destaca como líder do mundo muçulmano sunita e guardião dos dois locais mais sagrados do Islã.

O príncipe Mohammed bin Salman, líder na prática da nação, estava ansioso para estabelecer relações com Israel como parte de seu ambicioso programa para tornar o reino conservador um centro financeiro, comercial e turístico.

Agora, assim como outros Estados árabes, Riad está preocupada com o risco de a guerra entre Israel e Hamas causar uma conflagração regional que ultrapasse as fronteiras israelenses, além do perigo de que a devastação em Gaza radicalize uma nova geração de jovens árabes.

A Arábia Saudita já expressou indignação com a ofensiva de Israel em Gaza, e é uma das que pedem com frequência um cessar-fogo imediato em Gaza.

Na quarta, Blinken declarou que cabe a Israel "aproveitar a oportunidade que acreditamos que existem" no momento, acrescentando que a crise, nas palavras dele "um ponto de inflexão" para o Oriente Médio, exige que os países da região tomem decisões difíceis.

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