Políticas anti-imigração na Europa forçam africanos a jornada ilegal aos EUA

Imigrantes de países como Mauritânia, Senegal e Angola voam até América Central e então fazem percurso ao norte a pé

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Miriam Jordan
San Diego | The New York Times

Os migrantes da Guiné decidiram que era hora de deixar sua terra natal na África Ocidental. Em vez de buscar uma nova vida na Europa, onde tantos africanos se estabeleceram, partiram para o que tem sido uma aposta mais segura: os Estados Unidos.

"Entrar nos EUA é certo em comparação com os países europeus, e por isso eu vim", disse Sekuba Keita, 30, que estava em um centro de migrantes em San Diego após uma odisseia que o levou de avião para a Turquia, Colômbia, El Salvador e Nicarágua, e depois por terra até a fronteira México-EUA.

Imigrantes, a maioria vinda de países da África, esperam na fronteira dos EUA com o México na altura de Lukeville, no Arizona, para falarem com a Patrulha da Fronteira
Imigrantes, a maioria vinda de países da África, esperam na fronteira dos EUA com o México na altura de Lukeville, no Arizona, para falarem com a Patrulha da Fronteira - John Moore - 5.dez.23/Getty Images via AFP

Keita, que falava em francês, estava em um posto de carregamento de celular no centro, entre dezenas de outros africanos de Angola, Mauritânia, Senegal e outros países, que fizeram o mesmo cálculo.

Embora os migrantes de países africanos ainda representem uma pequena parcela das pessoas que cruzam a fronteira sul dos EUA, seus números têm aumentado, à medida que as redes de contrabando nas Américas abrem novos mercados e se aproveitam do crescente sentimento anti-imigrante em alguns cantos da Europa.

Historicamente, o número de migrantes dos 54 países da África tem sido tão baixo que as autoridades dos EUA os classificaram como "outros", uma categoria que cresceu exponencialmente, impulsionada pelo rápido aumento do número de pessoas do continente.

De acordo com dados do governo obtidos pelo The New York Times, o número de africanos detidos na fronteira sul saltou para 58.462 no ano fiscal de 2023, contra 13.406 em 2022. Os principais países africanos foram Mauritânia, com 15.263; Senegal, com 13.526; e Angola e Guiné, cada um com mais de 4.000.

Organizações sem fins lucrativos que trabalham na fronteira dizem que a tendência continuou, com o número absoluto e a proporção de migrantes africanos aumentando nos últimos meses, à medida que os destinos potenciais na Europa diminuem.

"Existem países que estão cada vez menos acolhedores", disse Camille Le Coz, analista sênior de políticas do Migration Policy Institute Europe. "Quando novas rotas se abrem, as pessoas vão migrar porque as oportunidades econômicas em casa são insuficientes."

De acordo com a ONU, um número recorde de pessoas está em movimento em todo o mundo, fugindo das mudanças climáticas, de Estados autoritários e da instabilidade econômica.

O aumento do número de migrantes da África tem exacerbado a crise na fronteira México-EUA, à medida que se juntam a legiões de migrantes das Américas Central e do Sul, além da China, Índia e outros países, em sua jornada rumo ao norte.

Quase 2,5 milhões de migrantes cruzaram a fronteira entre EUA e México no ano fiscal de 2023, e cerca de 300 mil migrantes foram levados para as chamadas estações de processamento pela Patrulha de Fronteira dos EUA em dezembro, o maior número de qualquer mês. A maioria das pessoas solicitará asilo, o que lhes permite permanecer nos EUA até o resultado de seus casos, emitidos anos depois.

Embora os EUA tenham aumentado os voos de deportação, eles tiveram que liberar muito mais pessoas no país porque os centros de detenção de imigração estão cheios, e as famílias não podem ser mantidas presas por longos períodos. Também é extremamente difícil deportar pessoas para países da Ásia e África, devido à longa distância e à falta de consentimento de muitas nações.

Do outro lado do Atlântico, a imigração tem causado preocupação em muitos países. Candidatos de direita com plataformas anti-imigração prevaleceram em algumas eleições no ano passado, mais recentemente na Holanda. França, Alemanha e Espanha fizeram acordos com Tunísia e Marrocos para interceptar migrantes que transitam por eles. E, em 20 de dezembro, a União Europeia assinou um pacto para facilitar a deportação de solicitantes de asilo e limitar a migração para o bloco.

Os migrantes que se dirigem aos EUA compartilham dicas e histórias de sucesso nas redes sociais, e contrabandistas se passando por guias de viagem promovem seus serviços. Amigos e parentes relatam que obtêm autorização de trabalho nos EUA após apresentarem pedidos de asilo. E, embora seja improvável que os migrantes ganhem seus casos, geralmente leva anos para uma decisão devido a um enorme acúmulo nos tribunais de imigração.

"No passado, atravessar a fronteira dos EUA era muito misterioso para as pessoas", disse John Modlin, chefe do setor de Tucson da Patrulha de Fronteira, que tem visto um grande número de africanos cruzando em áreas remotas. "O maior perigo agora é o alcance global das organizações de contrabando", auxiliadas pelas redes sociais.

A rota da África Ocidental e através da América Central surgiu há alguns anos, segundo Aly Tandian, professor especializado em estudos de migração na Universidade Gaston Berger, no Senegal. Mas as partidas dispararam em 2023, à medida que mais migrantes começaram a voar pelo Marrocos e pela Turquia para a Nicarágua.

Mohammed Aram, 33, do Sudão, onde a guerra civil começou em abril, disse que os EUA eram o melhor lugar para começar uma nova vida. "Entrar na Europa é difícil", disse Aram, que planejava ir para Chicago.

Mais de uma dúzia de migrantes entrevistados disseram que se entregaram na fronteira para agentes dos EUA, que os levaram de ônibus para uma instalação de processamento. Lá, os migrantes passaram duas ou três noites esperando sua vez de fornecer informações pessoais às autoridades.

Eles foram liberados com documentos que indicavam que estavam em processo de deportação e que deveriam comparecer ao tribunal em uma data específica na cidade onde disseram que viveriam.

Finalmente, os migrantes foram liberados para o centro de San Diego, onde receberam refeições e assistência para entrar em contato com amigos ou parentes em todo o país, que normalmente pagavam pelas passagens aéreas para o destino nos EUA.

Depois de chegar aos EUA, muitos expressaram otimismo em recomeçar em cidades de todo o país. Mas alguns disseram que as publicações nas redes sociais omitiram a menção ao perigo que poderiam encontrar em suas jornadas, especialmente pela América Central e México.

Paulo Kando, 20, e M'bome Joao, 22, de Angola, uma nação rica em petróleo na costa oeste da África, disseram que bandidos os roubaram de seus celulares e todo o seu dinheiro na fronteira entre Guatemala e México. Eles conseguiram empregos empilhando carvão em carrinhos para ganhar alguns pesos no México. Quando chegaram à Califórnia, não tinham nada além das roupas que estavam usando.

Agora eles estavam presos em San Diego. Um amigo angolano em Portland havia prometido recebê-los, mas não estava atendendo o telefone, e eles não podiam pagar a passagem de ônibus para chegar lá. Eles disseram que não conheciam mais ninguém nos EUA. Ainda assim, não se arrependiam de ter vindo.

Kando, falando em seu português nativo, disse que seu objetivo não havia mudado. "Estamos confiando em Deus que um milagre acontecerá", disse ele, "e chegaremos a Portland".

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