Parlamento da Irlanda do Norte elege 1ª líder nacionalista ao encerrar impasse de 2 anos

Partido que defende saída do país do Reino Unido ganhou pleito em 2022, mas foi impedido de assumir

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Londres | AFP

Depois de dois anos de um impasse político que paralisou o governo, parlamentares da Irlanda da Norte enfim voltaram às suas cadeiras neste sábado (3).

O retorno se encerrou com a nomeação de Michelle O’Neill, vice-presidente do Sinn Féin —antigo braço político do Exército Republicano Irlandês (IRA)—, para o cargo de primeira-ministra, marcando a primeira vez que o país será comandado por nacionalistas.

Michelle O'Neill na sede do governo da Irlanda do Norte, em Belfast, após ser eleita primeira-ministra - Paul Faith/AFP

"É um dia histórico", escreveu O'Neill, 47, no X. "Como primeira-ministra, estou determinada a realizar mudanças positivas e a trabalhar coletivamente para fazer nossa sociedade avançar com respeito, cooperação e igualdade."

O desentrave se deve a um acordo fechado pelo Partido Unionista Democrático (DUP), principal força pró-Reino Unido do país, com o primeiro-ministro britânico, Rishi Sunak, nesta semana. A sigla havia se retirado da administração nacional em 2022, em protesto contra os controles alfandegários impostos a produtos ingleses após o brexit.

Para a sigla, a medida enfraquecia os laços da região com Londres e favorecia os defensores da unificação da Irlanda do Norte com a Irlanda, que ocupa a parte sul da ilha e faz parte da União Europeia (UE) —a fusão é, aliás, uma das principais bandeiras do Sinn Féin.

Um dos principais aspectos do imbróglio ficou conhecido como "guerra das linguiças". Depois do brexit, o Reino Unido passou a ter que cumprir as regulações do mercado europeu para exportar produtos para a Irlanda do Norte.

Uma dessas regras era que as linguiças, assim como os nuggets de peru ou as almôndegas cruas, eram consideradas "produtos resfriados à base de carne", e só podiam ser importadas caso estivessem congeladas. Mas os britânicos resistiam a cumprir essas regras quando se tratava de vendas para Belfast.

O Sinn Féin venceu as eleições legislativas da Irlanda do Norte pela primeira vez em 2022. Apesar do peso simbólico, a vitória não afetou o histórico Acordo de Belfast —também conhecido como Acordo da Sexta-feira Santa— que, assinado em 1998 para pôr fim aos confrontos na região, determina que o país é parte do Reino Unido e não deixará de sê-lo sem o consentimento da maioria da população.

O bloqueio do DUP impediu, contudo, que Sinn Féin assumisse a gestão. Criado para garantir um equilíbrio entre unionistas e os nacionalistas, o Stormont, como é conhecido o Parlamento em Belfast, exige que as duas forças compartilhem o poder na Assembleia e Legislativa e no Executivo.

O tratado fechado entre o DUP e o governo britânico esta semana deve tornar as exigências para as mercadorias do Reino Unido que entram na Irlanda do Norte mais flexíveis. A solução será apresentada na próxima reunião do comitê conjunto entre Reino Unido e União Europeia (UE).

Família do IRA

Michelle O'Neill vem de uma família de classe trabalhadora ligada ao IRA e defende a legitimidade da violência exercida pela organização. Seu pai, Brendan Doris, foi preso por fazer parte do grupo, e um tio, Paul Doris, arrecadava fundos para ele. Dois primos, também integrantes do IRA, foram baleados pelas forças de segurança, e um deles morreu.

Ao mesmo tempo, porém, a nova primeira-ministra prometeu governar para todos, tanto unionistas quanto nacionalistas, e mostrar respeito à família real britânica —ela chegou a comparecer à coroação do rei Charles 3º em maio passado.

O'Neill deve enfrentar ceticismo em relação a sua capacidade de governar em meio às tensões dos dois grupos.

Desde que entrou em cena na política, ela tem que lidar com comentários frequentes sobre sua aparência. "Cabelos loiros brilhantes. Batom de cor viva. Cílios curvados. Unhas pintadas. Roupas justas. Michelle O'Neill certamente não é o que esperávamos", diz uma descrição dela feito pelo tabloide britânico Daily Mail em 2017.

Também sofre preconceito por ter engravidado quando adolescente, aos 15 anos. Em 2021, ela contou ao Irish Times que foi tratada "como uma praga" na escola quando esperava a filha. "Pensei: 'Ninguém nunca me tratará assim novamente'", disse ela ao jornal. Sua família a ajudou a cuidar da criança enquanto ela terminava os estudos, e hoje, segundo outro jornal, o Guardian, O'Neill é avó.

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