Descrição de chapéu Deutsche Welle América Latina violência

Entenda por que o Haiti, palco de crises em série, é considerado Estado falido

Primeiro país da América Latina a conquistar a independência hoje é assolado por pobreza, violência e instabilidade política

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Isabella Escobedo
DW

O ataque ao presídio central de Porto Príncipe, ocorrido na última semana, foi apenas o mais recente reflexo da violência que abala o Haiti desde o assassinato do presidente Jovenel Moïse, em 2021, um episódio que agravou a insegurança e desestabilizou o país social e politicamente. A violência das gangues, os sequestros e a turbulência são obstáculos à reconstrução e ao desenvolvimento.

Haitianos cruzam a fronteira entre Quanamienthe, no Haiti, e Dajabon, na República Dominicana - Erickson Polanco - 7.mar.24/AFP

Como o governo perdeu a capacidade de garantir as necessidades básicas de governança, segurança e serviços públicos aos cidadãos, muitos analistas consideram o Haiti hoje um Estado falido, enquanto outros o declaram como praticamente inexistente. Uma análise dos números e dos dados históricos nos ajuda a entender melhor a situação.

Números atuais

O Haiti tinha em 2023 uma população de 11,7 milhões de habitantes, 40% mais numerosa do que em 2000. A população, em 2021, tinha uma idade média de 24,3 anos –muito jovem– e uma expectativa de vida de 64,8 anos.

O Banco Mundial estima que, em 2023, 63% dos haitianos viviam com menos de US$ 3,65 (R$ 18,25) por dia, e que pelo menos 5,2 milhões de pessoas no país precisam de assistência alimentar e habitacional, número 20% maior do que em 2022.

A escolaridade também enfrenta grandes problemas. Quase metade dos haitianos com mais de 15 anos é analfabeta, e apenas cerca de 50% das crianças haviam concluído o ensino básico em 2020, segundo dados da Human Rights Watch.

A economia do Haiti está em recessão há quatro anos consecutivos, e encolheu 1,7% em 2022, de acordo com dados do Banco Mundial.

"Costumávamos ser em grande medida autossuficientes em termos de produção agrícola. Agora importamos praticamente tudo o que consumimos", disse à DW o haitiano Robert Fatton, professor do departamento de política da Universidade da Virgínia, nos Estados Unidos. "E nesse ponto creio que a comunidade internacional é um problema, porque os programas propostos sempre foram orientados à exportação e destruíram a economia agrícola do Haiti no longo prazo", completou o professor.

Legado do colonialismo

O passado colonial e a intervenção internacional são parte das causas que levaram o país à situação atual. Isso apesar de o Haiti ter feito história em 1804, quando se tornou a primeira nação a conquistar a independência na América Latina.

O país teve dificuldades logo em seu início. A França impôs ao Haiti uma redução de 50% nas tarifas sobre as importações francesas e uma indenização de 150 milhões de francos (cerca de U$ 105 bilhões atualmente) ao Haiti em troca do seu reconhecimento diplomático.

"Mas, ao mesmo tempo, por que os governantes do Haiti concordaram em pagar essa indenização? O que presumo é que eles tinham interesse em fazer isso para defender sua propriedade", diz Fatton.

Racismo e desigualdade

O cientista político haitiano da Universidade da Virgínia afirma que o colonialismo deixou um legado de racismo e desigualdade que continua a afetar o tecido social e econômico do país, criando barreiras significativas ao desenvolvimento e à igualdade.

Outro cientista político haitiano, Louis Jean Pierre Loriston, concorda: "Somente os filhos dos militares e da elite política podiam ser educados, porque eles sabiam que se mantivessem a classe camponesa –os ex-escravos– na obscuridade, sem educação, eles nunca seriam capazes de sair disso e se impor."

Como tirar o Haiti da crise?

O atual primeiro-ministro, Ariel Henry, vem administrando o país sem um mandato constitucional desde o assassinato de Moïse, e governa por decreto. Muitos haitianos estão insatisfeitos com Henry, que não tem legitimidade constitucional, mas é apoiado pela comunidade internacional.

Os especialistas entrevistados pela DW concordam sobre a importância de formar um governo de transição confiável para substituir o atual e iniciar um processo eleitoral para restaurar a democracia.

Para dar início a um processo eleitoral, no entanto, é necessário "restabelecer um nível mínimo de segurança para garantir o funcionamento do país", diz Nathalye Cotrino, da Human Rights Watch.

Ela propõe "desenvolver estratégias que permitam que a polícia nacional recupere a confiança e a legitimidade entre a população". Isso poderia envolver a "adoção de um mecanismo de investigação de antecedentes na polícia haitiana" e a remoção daqueles envolvidos em grupos violentos.

A comunidade internacional reagiu à situação no Haiti com algumas medidas de ajuda. O Conselho de Segurança da ONU aprovou o envio de uma missão com o objetivo de fortalecer a polícia haitiana em sua luta contra o crime. O Haiti e o Quênia assinaram um acordo bilateral para enviar mil policiais quenianos para liderar essa missão, com o apoio financeiro de países como Estados Unidos, Canadá e França.

No entanto, muitos criticam a intervenção internacional no país, incluindo Keith Mines, diretor do programa para a América Latina do Instituto da Paz dos EUA: "A ajuda vem e vai, esquiva-se das tarefas básicas de ajudar a construir as instituições de que o Haiti precisa, sempre impulsionando iniciativas privadas, e mostra uma impaciência sem sentido em um país que precisa de uma mão amiga sustentada no tempo".

Wooldy Edson Louidor, professor colombiano-haitiano da Universidade Javeriana, na Colômbia, diz que o apoio da comunidade internacional é importante, "mas para chegar a uma solução haitiana é necessário o retorno à ordem constitucional".

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