Descrição de chapéu Governo Lula

Lula está equivocado por não se colocar contra o Irã, diz Nobel da Paz

Shirin Ebadi, 1ª mulher a se tornar juíza em Teerã, vê presidente brasileiro 'mal informado' e limitado a se opor aos EUA

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André Fontenelle
Paris

Para Shirin Ebadi, militante iraniana pelos direitos humanos e Prêmio Nobel da Paz em 2003, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), crítico da invasão de Gaza por Israel, está "equivocado" por não se posicionar também contra o regime de Teerã.

"Lamento que ele não esteja bem informado", diz à Folha a advogada e ex-juíza.

Crítica de Israel e do Hamas, Ebadi, 76, afirma acreditar que um acordo de paz —e não um simples cessar-fogo— seja necessário para levar a um imediato enfraquecimento da teocracia iraniana e de seus aliados, os houthis do Iêmen e o Hezbollah libanês. Segundo ela, esses grupos perderiam o pretexto para apoiar atos terroristas.

A iraniana Shirin Ebadi, vencedora do Prêmio Nobel da Paz, em evento em Londres, no Reino Unido - Suzanne Plunkett - 2.fev.2023/Reuters

Exilada em Londres há 15 anos, Ebadi participou nesta sexta-feira (8), em Paris, de uma conferência sobre o Dia Internacional da Mulher, a convite da prefeita da capital francesa, Anne Hidalgo, junto a nomes como as ex-presidentes Michelle Bachelet (Chile) e Dilma Rousseff —a brasileira fez a palestra inaugural do evento e saiu recusando-se a falar com a imprensa.

A Nobel da Paz considera que, mesmo tendo arrefecido, o movimento de oposição que levou milhões de iranianos às ruas em 2022 continua vivo. Os protestos começaram após a prisão e morte da estudante Mahsa Amini, 22, por supostamente usar um hijab, o véu islâmico, de forma inadequada.

Ebadi foi lacônica apenas ao falar da situação da segunda iraniana a receber o Nobel da Paz —Nargis Mohammadi, 51, agraciada no ano passado. Pouco se sabe sobre a situação de Mohammadi, condenada em 2016 a 16 anos de prisão por defender a abolição da pena de morte. Ebadi limitou-se a dizer que consegue se comunicar com ela.

Em seu discurso em Paris, a sra. falou bastante da situação na Palestina. Está ciente da polêmica provocada pelas declarações do presidente Lula, que afirmou que Israel está cometendo um genocídio em Gaza? Qual a sua opinião?
No discurso, eu expressei com precisão minha opinião. É um crime de guerra e, como tal, é condenável. O Estado palestino deve ser estabelecido e reconhecido. Só nesse momento poderemos ter uma paz duradoura. E se isso acontecer, a República Islâmica do Irã vai se enfraquecer, assim como todos os grupos ligados a ela, como os houthis no Iêmen e o Hezbollah libanês, porque o único pretexto para cometerem atos terroristas é o apoio ao Estado palestino.

Lula tem sido muito incisivo em relação às ações de Israel em Gaza. A sra. gostaria de que ele fizesse o mesmo em relação ao regime do Irã?
Lamento com amargura que o presidente Lula não esteja bem informado, o que o levou a fazer uma visita ao Irã [em 2010] e a apoiar o regime iraniano. Eu protestei na época. E transmiti essa mensagem a ele, dizendo que ele estava equivocado. Que, se ele é de esquerda e defensor da classe operária, deveria saber que o regime iraniano é inimigo da classe operária.

E eu queria dizer mais uma coisa. Para ser justo, não basta se insurgir contra os EUA e protestar. É preciso ter outras coisas a dizer. O presidente Lula tem tendência a achar que basta ser contra os EUA para que se esteja do lado dele, que os inimigos dos meus inimigos são meus amigos. Já tentei transmitir essa mensagem a ele várias vezes, e eu o faço mais uma vez nesta ocasião.

A sra. escreveu ao presidente da França, Emmanuel Macron, pedindo a inclusão do "apartheid de gênero" na Convenção Internacional sobre a Supressão e Punição do Crime de Apartheid em referência ao que ocorre hoje no Irã e no Afeganistão. A sra. faria o mesmo pedido ao presidente Lula?
Evidentemente. Eu fiz esse pedido aos dirigentes de todos os países que ratificaram a convenção e que aceitariam fazer esse pedido de revisão à ONU.

Qual é a situação do movimento de oposição no Irã? Ele perdeu força desde 2022? A população voltou para casa?
As pessoas voltaram para casa, mas não é por isso que deixaram de protestar. O que mudou foi a forma de protestar. A título de exemplo, houve recentemente as eleições parlamentares, e a taxa de abstenção foi recorde. Nunca tanta gente se absteve. Algo muito interessante é que em certas seções eleitorais o número de votos nulos foi superior ao dos candidatos mais votados.

Isso prova que as pessoas —como os funcionários públicos, que são obrigados a ir votar, ou todos aqueles que, por medo de represálias, foram votar—, apesar de tudo, expressaram sua oposição, colocando na urna cédulas nulas. Outra manifestação silenciosa, ou pelo menos diferente, que não está na rua, aconteceu no aniversário da Revolução de 1979: todos apagaram as luzes, as cidades ficaram mergulhadas na escuridão, e as pessoas gritaram "morte à república islâmica".

A sra. tem notícias de Nargis Mohammadi?
Ela está na prisão, mas nós conseguimos assim mesmo ter uma comunicação.

A sra. afirma que, se Israel e Palestina fossem governados por mulheres, não estariam ocorrendo tantas mortes. Mas Israel já teve uma primeira-ministra, Golda Meir [de 1969 a 1974], que autorizou operações para assassinar terroristas palestinos. A sra. acha mesmo que seria diferente?
Tenho certeza de que Golda Meir teria mais compaixão que Binyamin Netanyahu. E, como eu já disse, do lado palestino, se no lugar de Ismail Haniyeh [coordenador do braço político do Hamas, hoje exilado em Doha] estivesse uma mulher, ela não estaria escondida em sua mansão de luxo no Qatar, vendo seu povo morrer em seu lugar.

O direito ao aborto foi incluído na Constituição francesa, algo inédito no mundo. Isso pode ocorrer um dia no Irã, por mais distante que pareça?
Se nos livrarmos da república islâmica, com certeza.

E a sra. acredita que isso vá acontecer?
Claro. Um dia a república islâmica cairá. Não sabemos quanto tempo vai levar, mas um governo que mais de 90% da população não querem não pode continuar eternamente.

RAIO-X | SHIRIN EBADI, 76

Primeira mulher a ser tornar juíza no Irã, em 1975, foi agraciada com o Prêmio Nobel da Paz em 2003, "por seus esforços pela democracia e direitos humanos". Afastada da magistratura após a Revolução Islâmica de 1979, tornou-se advogada de presos políticos e adversária do regime dos aiatolás. Há 15 anos exilou-se no Reino Unido. É defensora da criação do conceito de "apartheid de gênero" para definir a situação das mulheres no Irã e no Afeganistão.

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