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Israel e Irã distorcem direito de defesa para justificar espiral de vingança

Ações se assemelham a simples retaliações e jornadas punitivas do que a um exercício legítimo de se defender

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João Paulo Charleaux

Jornalista e autor de “Ser Estrangeiro – Migração, Asilo e Refúgio ao Longo da História”, trabalhou no Comitê Internacional da Cruz Vermelha

Israel e Irã dizem que estão apenas se defendendo. Tanto um quanto o outro evoca para si o direito de legítima defesa contra uma agressão injusta, mas, pelo menos do ponto de vista do direito aplicável, o mais provável é que nenhum dos dois tenha razão.

Em última instância, só o Conselho de Segurança da ONU pode arbitrar a questão, mas tudo indica que, até aqui, as ações de ambos os lados se assemelhem muito mais a simples retaliações, vinganças e jornadas punitivas do que a um exercício de legítima defesa, tal como concebido na Carta das Nações Unidas de 1945 —o único documento que determina se uma guerra é legal ou ilegal.

Sistema anti-míssel opera após Irãs lançar drones e mísseis em Israel - Amir Cohen - 14.abr.24/Reuters

Os iranianos argumentam que o disparo de centenas de drones e mísseis sobre Israel, no sábado (13), foi um ato de defesa contra o bombardeio da embaixada do Irã em Damasco, capital da Síria, no dia 1º de abril. De forma muito assertiva, a missão iraniana evoca textualmente o artigo 51 do Capítulo 7º da Carta da ONU, que trata do "direito inerente de legítima defesa individual ou coletiva no caso de ocorrer um ataque armado contra um membro das Nações Unidas, até que o Conselho de Segurança tenha tomado as medidas necessárias para a manutenção da paz e da segurança internacionais".

Vejamos: o ataque israelense à embaixada iraniana foi no dia 1º, a resposta militar iraniana foi no dia 13, e a reunião do Conselho de Segurança para tratar do tema foi no dia 14. Então, do ponto de vista do Irã, está tudo conforme a cartilha: uma resposta armada legítima até que o Conselho de Segurança se reúna. Tanto assim que o regime persa declarou "caso encerrado".

Há pelo menos dois problemas nesse raciocínio. O primeiro é que o território iraniano não foi atacado como tal. As embaixadas são protegidas por tratados como a Convenção de Viena de 1961, que, embora determinem a inviolabilidade de instalações diplomáticas, não chegam a dizer que essas instalações sejam parte do território do país que representam.

Então, a embaixada do Irã em Damasco não é território iraniano, mas território sírio cedido à embaixada do Irã. Se a agressão foi à Síria, não haveria direito de resposta do Irã, pelo menos nos termos da Carta da ONU. Talvez os conselheiros jurídicos israelenses tenham calculado tudo isso quando orientaram seus militares a seguir em frente com a ação.

O segundo problema do argumento iraniano é o tempo. Entre o ataque à embaixada em Damasco e a resposta contra Israel passaram-se 13 dias. O Irã não se defendeu, no sentido de bloquear um ataque em curso, impedir a entrada de inimigos em seu território, repelir uma invasão. A ação iraniana contra Israel teve toda a pinta de vingança e retaliação. A diferença pode parecer sutil, mas é grande o bastante para fazer com que o Conselho de Segurança não veja razão no argumento de Teerã.

Do lado contrário, Israel também diz que está apenas se defendendo e que atacou a embaixada iraniana em Damasco justamente porque vem sofrendo ataques de prepostos iranianos, como o Hamas em Gaza, o Hezbollah no Líbano, os houthis no Iêmen e outros grupos armados xiitas na Síria e no Iraque, que agem sob incentivo e proteção de militares iranianos como os que foram mortos em Damasco.

Em seu discurso no Conselho, o representante israelense, Gilad Erdan, disse que é o Irã quem viola a Carta da ONU e, por isso, Tel Aviv tem o direito de "usar todos os meios necessários" para cortar todos os "tentáculos do polvo iraniano", referindo-se aos grupos armados xiitas fomentados por Teerã.

A conversa toda é sobre legítima defesa, mas, antes de concluir seu discurso, Erdan soltou uma frase reveladora: "Israel se reserva o direito de retaliar" o Irã, mensagem que foi reforçada por membros do gabinete do primeiro-ministro israelense, Binyamin Netanyahu, como o ministro da Segurança Nacional, Ben Gvir, que defendeu a ideia de que seu país "go crazy" –o que só pode ser traduzido com exatidão com o popular "meter o louco".

Israel diz que se reserva o direito de retaliar agora o ataque dos drones. Com isso, rechaça a oferta iraniana de dar o caso como encerrado. Se agir, Netanyahu não estará se defendendo; pelo menos não no termo da Carta da ONU. Estará retaliando, assim como os iranianos fizeram na noite de sábado.

Quando a Carta da ONU foi feita, em 1945, a ideia era tornar as guerras entre países algo proibido. O artigo 51 deixa uma nesga estreita para as exceções. Iranianos e israelenses estão esgarçando os termos do artigo até torná-lo irreconhecível.

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