Descrição de chapéu Guerra da Ucrânia Rússia

Entenda a diferença entre armas nucleares táticas e estratégicas

Ameaças atômicas russas levam a especulação sobre risco de Putin empregar tais bombas

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

A escalada retórica russa na Guerra da Ucrânia, com a ameaça direta feita pelo presidente Vladimir Putin de empregar armas nucleares no conflito, colocou a bomba atômica de volta nas mesas de discussão do Ocidente.

Bravatas à parte, nos círculos mais sérios de analistas do tema há grande preocupação de que a Rússia esteja preparando a cama retórica para uma ação de fato, mas não com os armamentos usualmente associados a metáforas apocalípticas.

Míssil intercontinental para ataques nucleares Iars russo é lançado em exercício antes da guerra
Míssil intercontinental para ataques nucleares Iars russo é lançado em exercício antes da guerra - Ministério da Defesa da Rússia - 19.fev.2022/AFP

A principal especulação na praça é acerca do emprego de armas nucleares táticas pelos russos. E o que são essas bombas?

Por conceito, são armas utilizadas para vencer batalhas ou deter o inimigo pontualmente, alvejando de forma limitada concentrações de tropas ou bases militares. Elas fazem isso com menor poder destrutivo do que é geralmente associado a artefatos nucleares e com menor contaminação radioativa do ambiente.

A grande maioria das ogivas nucleares modernas tem rendimento variável. A bomba tática americana B61, por exemplo, pode ser ajustada para explodir de 0,3 a 80 quilotons, sendo cada quiloton equivalente a 1.000 toneladas de dinamite. A bomba de Hiroshima, a primeira usada contra um alvo civil, em 1945, tinha cerca de 15 quilotons.

O ajuste é feito por diversos métodos: injeção de gases específicos na hora da explosão ou uso de aceleradores de partículas, para aumentá-la, ou a contenção física —o maior artefato já explodido, a Bomba Czar testada pelos soviéticos em 1961, teve sua camada de urânio empobrecido trocada por uma de chumbo, o que levou-a a liberar metade dos 100 megatons (100 milhões de toneladas de TNT) que podia render.

Na prática, tudo se resolve com um seletor na hora de embarcar a bomba num avião ou em um lançador, terrestre ou submarino.

O problema militar das bombas táticas, nunca usadas em combate, é que a depender do terreno ocupado pelo inimigo muitas delas serão necessárias para de fato causar efeito, o que aumenta o potencial de liberação de radiação contra as tropas que atacam.

Elas foram criadas a partir dos anos 1960, visando conter o que os americanos viam como um potencial avanço catastrófico de tropas soviéticas pela Europa Ocidental em caso de guerra. Os russos ampliaram a percepção e têm estimadas 2.000 ogivas de tamanhos variados, enquanto os EUA só mantêm cem B61 na Europa e a mesma quantidade em casa. Não há controle por tratado desse tipo de armamento.

A ascensão das armas guiadas por satélite também diminuiu a utilidade das bombas táticas, pois a precisão do ataque compensa a necessidade de destruir uma área relativamente grande, como ocorre com as armas nucleares.

Por outro lado, em 2018 o então presidente Donald Trump determinou uma revisão da postura nuclear americana, ampliando a situação em que armas táticas podem ser usadas, e de fato mandou novas bombas serem construídas para uso em submarinos. Coube também a ele o desmonte do arcabouço de mecanismos de confiança mútua com os russos.

Mas a real ameaça ao mundo como conhecemos viria do emprego das armas nucleares estratégicas. Novamente, é um conceito: há bombas do tipo com potência semelhante à das táticas de maior rendimento, enquanto outras atuais chegam ao cerca de 1 megaton.

O que importa, como no caso das táticas, é a função: no caso, ganhar guerras, por meio da destruição completa de cidades ou áreas industriais, visando forçar a rendição do inimigo. Para serem mais potentes, além de contarem com os mesmos reguladores de rendimento, as ogivas são maiores e carregam mais plutônio e urânio para a reação nuclear.

São as armas criadas ao longo da Guerra Fria para assegurar, segundo a doutrina MAD (destruição mútua assegurada, na sigla em inglês, mas também a palavra "louco"), que nunca fossem usadas.

No clássico "Sobre a Guerra Termonuclear", publicado pelo teórico americano Herman Khan em 1960, é estabelecida a única possibilidade de uso bem-sucedido de tais armas: um ataque sem que o inimigo saiba que você vai atacar, para decapitar sua capacidade de reação o máximo possível.

Por isso as potências principais, com destaque para o avanço recente da China, desenvolveram a chamada tríade nuclear: bombardeiros ou caças, mísseis lançados por submarino e a partir do solo (silos ou lançadores móveis). Assim, uma camada de defesa cobre a outra em caso de ataque.

Armas estratégicas não seriam viáveis numa ação pontual na Ucrânia, até porque liberam grande quantidade de radiação, que seria carregada provavelmente de volta para a Rússia, dado o regime de ventos da região. Acerca das bombas táticas, ele concorda sobre a pouca praticidade delas em campo.

O resumo da ameaça russa é simples: anexando cerca de 15% do território ocupado do vizinho, o Kremlin vai considerá-lo seu. Putin assinou em 2020 decreto estabelecendo as condições para o uso de armas nucleares, e entre eles está ameaças existenciais ao Estado, mesmo que com meios convencionais. Ele já disse que considera um ataque aos novos territórios algo do gênero.

O problema é complexo. O uso de uma bomba nuclear tática para intimidar Kiev, por exemplo, pode levar a uma escalada por parte da Otan (aliança militar liderada pelos EUA). EUA, França e Reino Unido têm a bomba do clube e dificilmente deixariam sem resposta esse tipo de agressão por temerem o que viria depois.

Aí, o risco de a coisa sair de controle cresce, e voltamos aos cenários apocalípticos, já que esses países dominam quase todo o arsenal nuclear do mundo —só Rússia e EUA têm 90% das 13 mil ogivas existentes.

Resta esperar que Putin esteja usando outra doutrina da Guerra Fria, a SOB (iniciais em inglês para FDP), que estrategistas usavam para definir líderes que se passavam por loucos perigosos para intimidar os adversários —como o americano Richard Nixon ou o norte-coreano Kim Jong-un.

Erramos: o texto foi alterado

O teste da bomba Castle Bravo foi realizado em 1954, não 1946, como dito em versão anterior do quadro que acompanha a reportagem.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.