Descrição de chapéu Eleições no México

Claudia Sheinbaum é a primeira mulher eleita presidente do México

Analista vê possibilidade de 'governo descafeinado' após seis anos de López Obrador; atraso na divulgação da contagem rápida gera críticas a órgão eleitoral, cansaço e suspeitas

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

A candidata à Presidência do partido governista Morena, Claudia Sheinbaum, acena a apoiadores na Praça Zócalo, na Cidade do México, após vencer a eleição presidencial Alexandre Meneghini/Reuters

Cidade do México

Claudia Sheinbaum vai suceder a Andrés Manuel López Obrador, seu padrinho político, e será a primeira mulher na história a governar o México a partir de 1º de outubro e pelos próximos seis anos.

Com mais de 93% das atas eleitorais apuradas na noite desta segunda-feira (3), a governista tinha 59,2% dos votos. Na sequência, a opositora Xóchitl Gálvez marcava 27,8%, mais de 30 pontos de diferença.

O resultado já havia sido projetado mais de 20 horas antes pelo INE (Instituto Nacional Eleitoral) em seu processo de contagem rápida, um modelo de estimativa com base em uma amostra da contagem obtida nas "casillas", como são chamados os centros de votação.

Os opositores —Xóchitl e Jorge Álvarez Máynez, azarão do Movimento Cidadão que teria obtido em torno de 10,4%— reconheceram a derrota.

A ex-líder da Cidade do México e primeira pessoa com ascendência judaica a ser eleita para a chefia do Executivo mexicano surpreendeu e também se tornou a mais votada da história.

Com mais de 32,7 milhões de votos, Claudia Sheinbaum (pronuncia-se cheinbaum, com "e") supera em 2,6 milhões de votos o antigo detentor desse posto, AMLO, eleito em 2018 com 30,1 milhões de votos.

Claudia Sheinbaum chega para votar na Cidade do México
Claudia Sheinbaum chega para votar na Cidade do México - Li Muzi/Xinhua

A noite do domingo (2) de votação no país foi marcada por tensão e cansaço. O órgão eleitoral remarcou por três vezes o prazo estimado para divulgar sua contagem rápida, a baliza para os resultados até que o escrutíneo das atas eleitorais chegasse a porcentagens robustas.

Sem dar qualquer justificativa, o silêncio alimentou especulações das mais diversas e despertou críticas. O INE é um dos órgãos atacados por López Obrador, que diz que o instituto opera para a oposição.

O pleito consolidado neste fim de semana foi marcado por alta violência em várias regiões do país e ao menos 37 aspirantes a cargos políticos assassinados desde o início do ano, segundo levantamento atualizado da organização independente Laboratório Eleitoral.

Sheinbaum aparecia com larga vantagem na maior parte das pesquisas de intenção de voto. Ela herdou o capital político de AMLO, maneira como o presidente é conhecido, ainda que seu carisma pessoal esteja muito distante do que goza o líder populista.

Houve frustração geral com os índices de participação, estimados em pouco mais de 60%. Esperava-se que estas eleições tivessem recorde de comparecimento. Em 2018, últimas presidenciais, a cifra superou 63%.

No final da noite no horário local, já madrugada em Brasília, acusações de fraude na capital começaram a surgir após relatos de que o sistema do Instituto Eleitoral da Cidade do México havia saído do ar por curto período de tempo por um ciberataque. A reportagem falou com equipe da presidente do órgão, que disse que a informação era falsa.

Ainda assim, era extremamente lenta a contagem de votos na capital mexicana. Após mais de cinco horas do início da divulgação dos resultados parciais, haviam sido computadas somente 10,5% das atas.

A próxima ocupante do Palácio Nacional terá desafios em diversas frentes. Na economia, vê-se diante de um momento-chave do nearshoring, a estratégia de aproximar a cadeia de produção do consumidor final, no caso os Estados Unidos, em um movimento impulsionado pela Guerra Fria 2.0 de Washington com a China.

AMLO não desenvolveu um plano industrial, e uma interpretação comum é a de que houve "sorte conjuntural" para o México se tornar o principal exportador para os EUA. Agora, para analistas, é preciso uma política concreta para o setor se manter no patamar atual.

Neste sentido, ela deu acenos importantes em seu discurso de vitória ao mercado privado, desanimado com o protecionismo de AMLO, e às energias renováveis —Sheinbaum tem doutorado em engenharia ambiental. "Vamos garantir o investimento privado nacional e estrangeiro, garantindo sempre o respeito ao meio ambiente."

No campo da segurança pública, Sheinbaum herda o sexênio com mais homicídios da história mexicana, ainda que as cifras tenham caído ligeiramente no último ano. López Obrador apostou na militarização como saída. Mais do que isso, inflou o poder e a verba dos militares, dando a eles o controle de aeroportos e de obras de infraestrutura. Até aqui, Sheinbaum indicou continuidade nesse sentido.

A própria campanha foi um demonstrativo do poder dos cartéis do narcotráfico. O nível de violência política foi recorde, e mais de 200 centros de votação não puderam funcionar por temor de ataques.

A imigração, tema sempre presente na relação com os EUA, ganhou mais peso diante do aumento do fluxo de quem tenta cruzar a fronteira e da maior repressão a esse movimento. Nunca antes o México prendeu tantos imigrantes —foram 481 mil de janeiro a abril deste ano, alta de 230% em relação ao mesmo período do ano passado.

A eleita representa uma tríade de partidos da situação: o Morena, uma das siglas mais jovens, fundada em 2011 por Obrador; o PT (Partido do Trabalho) e o PVEM (Partido Verde Ecologista). A reeleição não é permitida no México, o que força a saída de AMLO do poder.

Obrador foi um dos primeiros a se pronunciar sobre a vitória de sua candidata. Em um vídeo, disse estar orgulhoso do México.

Sheinbaum derrota a ex-senadora Xóchitl Gálvez, indígena que se tornou uma empresária de sucesso e representava uma histórica coalizão de oposição formada pela tríade de partidos mais antigos do México: PRI (Partido Revolucionário Institucional), de 1929 e que governou ininterruptamente até 2000; PAN (Partido Ação Nacional), de 1939; e PRD (Partido da Revolução Democrática), de 1989.

Ainda que em sua plataforma de "Quarta Transformação", como foi apelidado o plano de governo, Sheinbaum prometa uma gestão de total continuidade —"levaremos ao segundo nível os avanços consagrados por AMLO", disse no ato de encerramento de campanha—, a analista Sofía Fuentes diz que a eleita deve operar um "governo descafeinado".

É uma referência à postura arredia de AMLO em alguns setores. Ele conduzia ataques reiterados à imprensa e a organizações sociais e operou um plano protecionista, notadamente na área energética, que tentou concentrar nas mãos de estatais.

Para Fuentes, da consultoria Prospectiva, Sheinbaum demonstra maior possibilidade de abertura privada, menos ataques a opositores e maior investimento em infraestrutura para catapultar o nearshoring.

A própria eleita afirmou isso. No discurso de vitória, disse que, por convicção, sua plataforma "nunca faria um governo autoritário ou repressor".

A grande dúvida sobre a nova gestão é sobre qual influência López Obrador terá no novo governo e se haverá um distanciamento entre padrinho e apadrinhada.

"A narrativa de Sheinbaum pode seguir semelhante à de AMLO, mas nos parece que o operacional tende a desviar um pouco", afirma.

Nem Sheinbaum nem Xóchitl empolgaram os movimentos organizados de mulheres, para os quais seus planos de governo eram comedidos na agenda de gênero. O México tem altas taxas de violência contra a mulher.

Entre outras coisas, a candidata de López Obrador defende que o combate à violência doméstica seja feito com a retirada do agressor da casa da família e que haja um apoio financeiro mensal para mulheres de 60 a 64 anos, idade anterior à aposentadoria.

Durante o domingo, a votação ocorreu sob relativa tranquilidade em algumas regiões, como a capital, mas com casos de violência armada em outros. Longas filas eram observadas nas "casillas", os locais onde estavam instaladas as urnas e que, em média, tinham 750 eleitores registrados cada.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.