Descrição de chapéu Eleições na Venezuela

Maduro promete respeitar resultado da eleição em arranjo que não inclui principal opositor

A um mês do pleito, ditador diz que país precisa acabar com conspirações; principal adversário não endossa documento

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

São Paulo

A quase um mês da eleição presidencial na Venezuela, o ditador Nicolás Maduro assinou nesta quinta-feira (20) um documento no qual se compromete a respeitar o resultado do pleito. O texto não foi endossado por Edmundo González, o principal candidato da oposição, que o descreveu como uma "imposição unilateral" e voltou a lançar dúvidas sobre a lisura do processo eleitoral.

"O que quer que o juiz eleitoral diga, amém", disse Maduro após a assinatura. "Chega de sabotagem contra o nosso país, chega de conspirações. A Venezuela quer tranquilidade."

Maduro, de terno preto, camisa branca e gravata listrada, está falando em um microfone. Atrás dele, há um banner com o logotipo do CNE (Conselho Nacional Eleitoral) em cores azul, vermelho e amarelo, e o texto 'Poder Eleitoral'.
O ditador da Venezuela, Nicolás Maduro, discursa após assinatura de documento para respeitar eleição - Federico Parra/AFP

Oito dos dez candidatos assinaram o documento. Maduro foi o último; os outros sete se definem como opositores, embora sejam rotulados por críticos do chavismo de colaboradores do regime.

O documento foi divulgado pelo CNE (Conselho Nacional Eleitoral), a mais alta autoridade eleitoral do país. Considerado próximo do chavismo, o chefe do órgão, Elvis Amoroso, leu o texto que menciona a "vontade absoluta de reconhecer os resultados emitidos pelo poder eleitoral" e a competição em "clima de respeito, paz e participação democrática".

Os signatários ainda concordaram em reconhecer o CNE como a única autoridade competente para supervisionar o processo eleitoral e exigir o respeito da comunidade internacional à soberania do país. Também rejeitaram "qualquer financiamento ou recursos provenientes de atos ilícitos, nacionais ou internacionais" e pediram o fim das sanções contra a Venezuela.

A integridade da eleição, porém, tem sido questionada por opositores e líderes internacionais. A desconfiança aumentou no fim de maio, quando o regime Maduro cancelou o convite que havia sido feito a observadores da União Europeia para acompanhar o pleito –o processo já está marcado por diversos episódios de perseguição contra opositores.

Na mesma cerimônia em que apresentou o documento, Amoroso, do CNE, acusou o principal adversário de Maduro de não "responder ao chamado da pátria", enquanto a televisão estatal transmitia a imagem de uma cadeira vazia —o assento teria sido reservado a González.

Mas o opositor negou ter sido convidado para o evento. Ele ainda afirmou que o documento foi imposto de forma unilateral e reiterou que o reconhecimento dos resultados já fazia parte de um acordo mediado pela Noruega e assinado por regime e oposição, em outubro do ano passado, em Barbados —o pacto também determinava a presença de observadores internacionais.

"Esse acordo [de Barbados] foi violado por uma das partes, que rescindiu o convite aos observadores da UE e aumentou a perseguição aos líderes e apoiadores de nossa campanha", disse González. "É uma indicação da parcialidade que caracteriza essa campanha desigual."

O outro candidato que não compareceu ao evento foi Enrique Márquez. Ex-diretor do CNE, ele se apresenta como um político independente.

Sem citar nomes, Amoroso, o atual diretor do órgão eleitoral, disse a jornalistas que algumas pessoas querem desestabilizar e sabotar o pleito. "O povo venezuelano precisa ver quem ama sua pátria e quem não ama, quem está de joelhos diante de outras pretensões que não são as da Venezuela", disse.

Não há qualquer certeza de que o documento apresentado nesta sexta garanta eleições livres e idôneas. A campanha eleitoral oficial na Venezuela começa em 4 de julho, embora Maduro e Maria Corina Machado, a vencedora das primárias da oposição que depois foi tornada inelegível, estejam liderando comícios por todo o país há meses. A votação está marcada para 28 de julho.

González disse ter aceitado sua nomeação definitiva como candidato em abril. Ele havia sido inscrito de forma provisória pouco antes do fim do prazo para garantir a presença da oposição na cédula, em meio à inabilitação de Corina Machado e à impossibilidade de inscrição no sistema eleitoral de Corina Yoris, então escolhida para substituir a vencedora das primárias.

Neste ano, a oposição procurou concentrar forças em um único candidato para enfrentar o ditador, que tentará o terceiro mandato consecutivo. Duas pesquisas de intenção de voto realizadas por telefone consideradas confiáveis mostram González com mais de 30% de apoio. Maduro pontua ao redor de 25%.

A decisão pelo veto dos observadores da UE também havia sido anunciada por Amoroso, que justificou a medida pela manutenção das sanções do bloco europeu contra os chavistas. Segundo ele, os europeus "não são gente honrada para vir a este país enquanto mantêm sanções".

O veto motivou críticas e jogou pressão sobre o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), tanto pelo fato de o Brasil ser o maior país da região como pelo histórico de blindagem do petista em relação ao líder venezuelano. Em entrevista à Folha no domingo (16), González disse que o brasileiro precisa insistir com o ditador para que ele aceite observadores internacionais, retomando um convite aos europeus.

Entre auxiliares de Lula, um novo convite aos europeus passou a ser visto como um ponto-chave para que o Brasil siga apoiando o processo eleitoral no país vizinho. A argumentação é que a União Europeia é um dos atores citados nominalmente no Acordo de Barbados.

Os Estados Unidos chegaram a suspender sanções contra a indústria petrolífera venezuelana em resposta devido ao acordo, segundo o qual Caracas se comprometeria a realizar eleições livres. Washington reimpôs as medidas depois que o regime impediu os principais candidatos da oposição de participar da disputa.

Corina Machado, a principal líder do campo antichavista, foi considerada inelegível em junho de 2023, em decisão que também barrou da disputa o ex-candidato à Presidência Henrique Capriles e Juan Guaidó, que chegou a ser reconhecido como presidente interino por mais de 50 países. Ela é acusada de ter cometido irregularidades administrativas, mas alega —e tem amplo respaldo a seu argumento— que é vítima de perseguição política.

Segundo críticos do chavismo, 37 líderes da oposição foram presos somente neste ano. O prefeito do município de Ayacucho, Yonnhy Liscano, foi adicionado à lista nesta quinta, disse a promotoria à agência de notícias AFP. Rigoberto Ovallos, prefeito do município de Antonio Rómulo Costa, também deverá se apresentar à polícia. Ambos manifestaram apoio a Edmundo González nos últimos dias. Não se sabe ao certo de quais crimes eles são acusados.

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.