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Andrea Matarazzo e Januario Montone: A injustificável narrativa do fechamento das AMAs

Tudo indica que a real motivação é orçamentária; foi tomada pela Prefeitura apenas para reduzir o percentual atual para os 15% que eram desembolsados em 2004

Vista geral da recepção da antiga AMA Castro Alves, na zona leste de São Paulo
Vista geral da recepção da antiga AMA Castro Alves, na zona leste de São Paulo - Rivaldo Gomes/Folhapress

A Prefeitura de São Paulo anunciou uma reorganização da rede municipal de saúde que consiste, na prática, em acabar com as 108 unidades de Ambulatórios Médicos Assistenciais (AMAs) do tipo 12 horas implementadas entre 2005 e 2008 pela gestão José Serra e Gilberto Kassab.

A promessa é que não haverá prejuízos para a população porque as Unidades Básicas de Saúde (UBSs), que a população conhece como postos de saúde, da Estratégia Saúde da Família, vão absorver o atendimento que hoje é feito pelas AMAs.

Diz a Prefeitura que 50% das consultas dos médicos de saúde da família serão para atender a uma demanda espontânea. Mas a estrutura disponível hoje é incapaz de atender a essa demanda adicional. No atual cenário, não há dúvida de que a tendência é haver um retrocesso na capacidade da rede municipal e a cidade voltar aos níveis de 14 anos atrás.

Essas  AMAs são responsáveis por 7,2 milhões de consultas anuais, em casos de urgência e emergência de menor complexidade, sobretudo na periferia, e os postos de saúde (UBSs) já destinam 25% de suas consultas para atendimentos não agendados, da população que é atendida na unidade —diferentemente das AMAS, que atendem quem chegar; é a chamada porta aberta. Sem elas, as UBSs e o Saúde da Família não têm capacidade para atender e lidar com esses casos mais simples, por mais paradoxal que pareça a afirmação.

Vamos aos fatos. Segundo o Ministério da Saúde, a cobertura da atenção básica paulistana é de 34,5% (em 2012 era de 33,17%), equivalente a 4,2 milhões de habitantes, com 1.205 equipes de Saúde da Família em atividade. A secretaria fala em mais 250 equipes até o meio deste ano e mais 200 até o final do ano e, com isso, atenderia a praticamente toda a população de São Paulo, segundo o secretário municipal de Saúde.

Porém, os números não batem. É impossível atingir 100% da população com um incremento de 38% nas equipes de Saúde da Família. Mais do que isso, o médico de Saúde da Família não vai atuar nas urgências e emergências hoje já tratadas pelas AMAs.

Levando-se em conta que um médico da Saúde da Família tem jornada de 40 horas semanais, seriam necessários 1.134 médicos que ficassem exclusivamente à disposição para atendimento de urgência e emergência para igualar a disponibilidade atual das AMAs, que contam com cinco médicos todos os dias de segunda a sábado, 12 horas por dia, ou seja, 360 horas médico por semana. Isso sem falar nos equipamentos —como raios-X, que não existem nas —UBSs, flexibilidade do atendimento, porta aberta em qualquer região da cidade e outros fatores.

A rede de unidades básicas também não está preparada para ocupar o vazio deixado e será incapaz de gerar a mesma quantidade de atendimentos com a mesma flexibilidade. Para resumir: não há equipamento suficiente, não há material humano, não há qualificação e não há recursos disponíveis.

As AMAs surgiram justamente para preencher o vazio assistencial que existia na época do início da gestão Serra. Os atendimentos de urgência e emergência eram feitos nos prontos-socorros dos 12 hospitais municipais (incluindo os de Cidade Tiradentes e M’Boi Mirim) e por 16 prontos-socorros isolados.

Ou seja, 28 portas de urgência e emergência para toda a cidade, onde os casos de menor gravidade tinham que conviver com os casos mais graves, evidentemente atendidos com prioridade. A gripe competia com o infarto e o acidente de moto!

Para melhorar a qualidade da saúde na capital, a gestão municipal da época, da qual fizemos parte, chegou a gastar 20% das receitas próprias com saúde, bem acima, portanto, dos 15% que determina a Constituição, num esforço dos prefeitos Serra e Kassab. Só depois houve ajuste nas despesas e a estabilização em torno dos 18,5% atuais.

Tudo indica que a real motivação do fechamento das AMAs é orçamentária. Foi tomada pela Prefeitura apenas para reduzir o percentual atual para os 15% que eram desembolsados em 2004. Todo o resto é a narrativa criada para justificar o injustificável, que é reduzir a capacidade de atendimento da rede municipal de saúde​.

Andrea Matarazzo

Ex-ministro da Secretaria de Comunicação (1999-2001, gestão FHC), ex-secretário estadual de Cultura (2010-12, gestões Goldman e Alckmin) e ex-secretário municipal de Subprefeituras (2006-09, gestão Kassab)

Januario Montone

Ex-presidente da Agência Nacional de Saúde Suplementar (2000 a 2003, governos FHC e Lula) e ex-secretário de Saúde da cidade de São Paulo (2007 a 2012, governo Kassab)

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