Vivemos tempos sinceros, ao menos no noticiário sobre articulações políticas em torno da saúde pública. Sem nenhum constrangimento, os partidos atualmente detentores do Ministério da Saúde informam pelos jornais que não abrirão mão da pasta na recomposição ministerial a ocorrer neste fim de março.
Excepcionalmente, e por pura gentileza, aceitariam ceder a cadeira de ministro a uma figura notável, desde que ele não interfira na escolha da própria equipe. E sinalizaram, ainda, a pretensão de indicar "um amigo" para o cargo.
Enquanto isso, os mesmos partidos já percorrem gabinetes em Brasília para manifestar interesse pela posição de presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), atualmente ocupada por Jarbas Barbosa, respeitado técnico, com reconhecimento internacional e exemplar desempenho da função, segundo atestam todos.
Ele poderia seguir no cargo, sendo reconduzido a um segundo e último período de três anos. A Anvisa melhorou, as queixas diminuíram, o ambiente interno está calmo. Onde, então, está o problema?
Perfis como o de Jarbas e de outros técnicos, infelizmente raros no atual governo, garantiriam independência e continuidade. Sem eles, perde-se duplamente.
As articulações para a reforma ministerial e a sucessão na Anvisa mostram a dramática distância entre o que ocorre na saúde real e o que deveria ser sua gestão. No mundo real, cenas diárias de humilhação e dor de pessoas que já não conseguem o básico do sistema público de saúde. Ou ainda a crescente consciência de outros setores —os médicos, os planos de saúde, os pesquisadores—, todos envolvidos em sérias crises de sustentabilidade.
Já nos gabinetes, que deveriam se dedicar ao enfrentamento da crise, por um mínimo de responsabilidade política e respeito humano, a agenda não decorre do que vem das ruas ou dos hospitais. Dedicam-se à guerra para tomar conta do butim da saúde.
Hoje, mais do que nunca, precisaríamos buscar o que o país tem de melhor em qualidade dos técnicos, cientistas, especialistas em saúde pública (e temos excelentes) para uma intervenção urgente com soluções sérias, consistentes e para resultados no médio e longo prazo. Preferimos a escolha dos que não sabem, não querem passar a saber e, pior, têm como horizonte a eleição seguinte, esquecendo-se de que o curto prazo faz mal à saúde (ao menos à pública).
O governo Temer tem nas próximas semanas suas duas últimas oportunidades de estabelecer o bom senso, alguns diriam a dignidade, no trato da saúde. De suas decisões sobre o ministério e a Anvisa ficará pendente a chance derradeira de passar à história como o governo que não teve coragem de dizer: senhores, pelo menos aqui, não!
Antônio Britto: Pelo menos aqui, não
Governo Temer tem a chance de usar o bom senso e não ceder a pressões de partidos para lotear a Anvisa, chefiada hoje por um respeitado técnico
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