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Criação do Ministério da Segurança terá efeitos positivos para o setor? NÃO

Tudo leva a crer que não passará de uma mera terceirização de atribuições e responsabilidades de um ministério para o outro

Luis Henrique Machado

Legislações penais produzidas sob comoção ou durante crises, com a intenção primordial de passar à sociedade a impressão de que os problemas serão enfrentados, podem não surtir os efeitos desejados.

 Esse tipo de ação, em regra, não costuma atacar as causas reais, mas tão somente aspectos superficiais.

É o chamado direito penal simbólico. Nesse sentido, a criação do Ministério Extraordinário da Segurança Pública, embora não seja uma lei penal, parece ser algo próximo dessa espécie de normatização.

O ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, durante posse do diretor-geral da Polícia Federal, o delegado Rogério Galloro, em cerimônia realizada no Salão Negro do Ministério da Justiça, em Brasília (DF), nesta sexta-feira (2)
O ministro da Segurança Pública, Raul Jungmann, durante posse do diretor-geral da Polícia Federal, o delegado Rogério Galloro, em cerimônia realizada no Salão Negro do Ministério da Justiça, em Brasília (DF), nesta sexta-feira (2)

A segurança pública é um grave problema nas cidades brasileiras, sobretudo nos grandes centros. O governo passa a mensagem de que o tema é urgente, a ponto de merecer uma pasta exclusiva. A violência tem muitas causas, mas a falta de um ministério não está entre elas.

Assim, fica para depois um planejamento de longo prazo, que perpasse governos. Os investimentos em recursos humanos, materiais e tecnológicos das polícias são deixados de lado. Cai no esquecimento o rigor nos controles internos e externos para que as forças de segurança não se desvirtuem.

Treinamento, serviço de inteligência e boa remuneração dos profissionais não se encontram na ordem do dia. A coordenação entre as Forças, sem sobreposição de atribuições, ainda é algo distante. 

Modificações no Ministério Público e reforma no Judiciário, com vistas a tornar a prestação jurisdicional mais rápida e eficiente, seguem em segundo plano. Os presídios continuam como territórios do crime, o que expõe a incapacidade do Estado de controlar alguns metros quadrados. 

No que toca à Polícia Federal, a criação da pasta é questionável. A instituição tem atribuições mais amplas que a do novo ministério, o que faz surgir a preocupação de que a pasta da Segurança Pública apenas provoque o direcionamento do orçamento para cobrir determinadas áreas mais diretamente ligadas ao tráfico de armas e de drogas.

Não se nega a importância destas áreas, mas há o risco de que tal atitude acabe por sacrificar ainda mais a Polícia Federal ao debilitá-la na principal atuação — as investigações criminais sobre corrupção, desvio de recursos públicos e crimes de colarinho branco.

Para completar, vale lembrar que cortes no orçamento da PF em 2017 não pouparam sequer a Operação Lava Jato, que sofreu um contingenciamento de 44%.

O simbolismo da criação do Ministério da Segurança Pública pode ainda adiar medidas urgentes, como a reposição dos quadros da Polícia Federal, cujo efetivo é praticamente o mesmo há uma década. Há mais de 600 cargos vagos para delegados, por exemplo.

Se considerarmos agentes, peritos, entre outros cargos, o déficit total de pessoal chega a 5.000. 

Ademais, é urgente adotar medidas para preservar a PF de possíveis interferências do Poder Executivo. 

Nesse sentido, a aprovação da PEC 412/2009 é essencial, uma vez que estabelece normas de autonomia funcional, administrativa e orçamentária para a instituição. 

A despeito de todas essas necessidades, o ministério surge como a solução da vez.

Por ser um tema amplo e complexo, a segurança pública não é pauta a ser restrita a ações pontuais ou mesmo a ser vinculada a determinadas questões ou mesmo instituições. 

Tendo como exemplo a Polícia Federal, vemos que os verdadeiros problemas são outros, fundamentalmente de ordem estrutural, o que vai muito além da criação de uma pasta pelo Executivo Federal. 

Sendo otimista, tudo leva a crer que a reforma não passará de uma mera terceirização de atribuições e responsabilidades de um ministério para o outro. 

LUÍS HENRIQUE MACHADO, doutor em processo penal pela Universidade de Humboldt (Alemanha), é advogado criminalista

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