Após me acusarem de defender a “economia do moto-perpétuo”, Marcos Lisboa e Samuel Pessôa voltaram ao assunto nesta Folha (10/4). Dessa vez, a dupla foi mais focada e cobrou um artigo acadêmico provando que a expansão de 2006-2010 decorreu somente da expansão do gasto público (outro espantalho sobre minha posição).
Como apontei em resposta ao primeiro texto de “Lisbossôa”, a política fiscal de 2006-2010 foi bem-sucedida e contribuiu para o crescimento da economia. Achar que isso signifique que a política fiscal tenha sido a única causa do crescimento é insistir em caricaturas.
Artigo de jornal não é lugar para debate acadêmico, mas posso indicar o caminho. Antes disso, vou ampliar o período em questão para incluir 2011 e dividi-lo em duas fases: a expansão de 2006-2008 e a estabilização de 2009-2011.
Na primeira fase, as condições iniciais justificavam uma “expansão fiscal balanceada”, com aumento da receita primária canalizado principalmente para transferências de renda e investimento público.
Quando há capacidade ociosa, como havia no Brasil de 2005, a expansão conjunta de receita e despesa primárias pode aumentar o PIB sem afetar significativamente o resultado do governo e a dívida pública com base no que nós economistas chamamos de “Multiplicador do Orçamento Equilibrado”.
A situação externa também foi bem favorável em 2006-2008, mas o impulso fiscal teve impacto positivo sobre a renda, sobretudo via aumento do investimento, como indica o estudo de Manoel Pires “Política Fiscal e Ciclos Econômicos no Brasil”, publicado pela revista Economia Aplicada, da USP, em 2014.
Contrariamente à visão dominante na época, de que a inflexão da política econômica de Lula diminuiria o investimento privado, aumentaria a taxa real de juro e elevaria a dívida pública em proporção do PIB, ocorreu o oposto em 2006-2008.
Já na segunda fase, os dados são mais claros. Com base na variação do resultado primário recorrente, houve expansão fiscal em 2009-2010, para combater os efeitos da crise internacional, e contração em 2011 (mas isso muitos esquecem).
Novamente a decisão se mostrou acertada, pois como indicaram Rodrigo Orair, Fernando Siqueira e Sergio Gobetti, o impacto de um estímulo fiscal é maior numa recessão do que em uma expansão no Brasil (condições iniciais importam).
O texto em questão (“Política Fiscal e Ciclo Econômico: Uma Análise Baseada em Multiplicadores do Gasto Público”) foi o segundo colocado no Prêmio do Tesouro Nacional de 2016.
Assim, ao contrário do que diz “Lisbossôa”, há estudos empíricos que corroboram a contribuição positiva da política fiscal para a expansão e posterior estabilização da economia brasileira em 2006-2011.
Também há estudos no sentido contrário, como é natural em qualquer questão estatística. O debate continua, no Brasil e no mundo, só que cada vez mais desfavorável aos que defendem arrocho fiscal ontem, hoje e para sempre.
Felizmente, não parece ser mais o caso de “Lisbossôa” —pois, segundo sua última posição, uma expansão do gasto primário seria válida quando a taxa de juro real sobre a dívida pública ficasse perto da taxa de crescimento real da economia.
Pois bem, como hoje o custo de rolar a dívida do governo caiu para um valor próximo ao crescimento do PIB, posso concluir que "Lisbossôa" agora é favorável a uma expansão fiscal imediata e desbalanceada? Nem eu sou tão keynesiano!
Proponho, apenas, a preservação de investimentos e gastos correntes que aumentem a produtividade da economia devido ao quadro atual de dívida pública.
Ao mesmo tempo, sou favorável a reformas graduais do gasto obrigatório, tal como já fiz enquanto estive no governo e defendi recentemente para a Previdência social e a remuneração de servidores.
Nelson Barbosa: Política fiscal, em resposta a Lisboa e Pessôa
Contrariando "Lisbossôa", há estudos demonstrando a contribuição da política fiscal na aceleração e estabilização da economia em 2006-2011
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