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Othon de Azevedo Lopes

O STF está se apropriando de prerrogativas do Congresso? SIM

Muito está em risco com o avanço na edição de regulamentações e decisões de caráter geral

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Othon de Azevedo Lopes

Advogado, é doutor em direito e filosofia do Estado (PUC-SP) e professor associado da Faculdade de Direito da Universidade de Brasília; sócio de Machado Gobbo Advogados

No último 10 de julho, celebrou-se o Dia Mundial da Lei. É momento de reflexão sobre uma conquista civilizatória, gestada pelas revoluções liberais —a Gloriosa, na Inglaterra, a Americana, nos Estados Unidos, e a Francesa. Vidas se foram para que a lei assumisse o centro dos governos. A legalidade está, no entanto, em crise. O prestígio do Parlamento está sob ataque da expansão da atuação dos Poderes Judiciário e Executivo.

A desvalorização da lei não atinge apenas o Parlamento. O império da lei é pedra de toque da ordem democrática, garantidora de isonomia e liberdade e ordenadora da tripartição de Poderes. Muito está em risco com o avanço do Executivo e do Judiciário na edição de regulamentações e decisões de caráter geral.

O presidente Lula, o ministro Alexandre de Moraes, do STF, e o presidente da Câmara, Arthur Lira, na cerimônia de posse do ministro Flávio Dino na corte - Pedro Ladeira - 22.fev.2024/Folhapress - Pedro Ladeira/Folhapress

O Executivo e seu aparato regulador têm o compromisso de entregar uma multiplicidade de bens a serem fruídos, tais como saúde, educação, infraestrutura etc., num cenário dinâmico de uma economia capitalista. A sua tarefa só é viável ao preço de uma compulsiva produção de normas que, escalando o nível de generalidade e abstração, comprimem o espaço do legislador.

O Judiciário, por sua vez, não mais se legitima apenas pela observância da lei. Assim como o Executivo, vê-se impelido a entregar utilidades desfrutáveis pelos jurisdicionados. De igual modo, numa sociedade heterogênea, é chamado a arbitrar diversos conflitos de valores. Abandona, assim, o estreito papel de legislador negativo, que controla o Legislativo apenas pela supressão da lei ou de suas partes, e assume funções normativas para supostamente suprir omissões do legislador, arrogando-se até mesmo uma posição de vanguarda iluminista com objetivos dirigistas.

É certo que esse movimento de tais Poderes tem raiz na crescente complexificação da sociedade e na premência de políticas redistributivas. Manter uma ordenação política e econômica equilibrada impõe uma nova configuração do Judiciário e do Executivo. Algo semelhante a um navio que é obrigado a reformar-se em curso, em que suas tarefas se organizam no contínuo acompanhamento e adaptação às aceleradas demandas sociais. O resultado é a marginalização do legislador. O tempo de maturação dos acordos gerais produzidos em termos de legitimação democrática é lento.

O Legislativo, sozinho, não dá conta do enfrentamento dessas tarefas de organização. Isso não pode, todavia, significar passividade diante do seu escanteamento. A legitimação democrática da atuação do Executivo e do Judiciário pela sua conformidade à lei, editada por parlamentares eleitos, não pode ser abandonada. É o legislador que está apto, numa sociedade pluralista, em que não há valores éticos uniformes, a selecionar os que serão coletivamente vinculantes.

Em conclusão, há, sim, uma apropriação por parte dos outros Poderes das atribuições do Congresso, destacando-se aí o Supremo Tribunal Federal. No entanto, a tripartição de Poderes historicamente nos ensinou que o poder bem dividido se potencializa. A lei é a chave desse equilíbrio entre as funções do Estado. Por isso, uma atitude a ser resgatada é a deferência ao legislador. Executivo e Judiciário não podem omitir-se diante dos novos desafios, mas isso não deve ter como consequência o descrédito do Parlamento. A sua importância deve ser resguardada. Lei, editada pelo Parlamento, é sinônimo de democracia, igualdade e liberdade.

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