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Roberto Dias da Silva

O STF está se apropriando de prerrogativas do Congresso? NÃO

Quem protege a minoria quando a maioria parlamentar avança sobre ela?

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Roberto Dias da Silva

Advogado e professor da FGV Direito SP

Uma Corte Constitucional, por natureza, não existe para agradar a maioria. Como reiteradamente afirmado, é da sua essência ser um órgão contramajoritário, pois tem o poder de invalidar uma norma aprovada pelo Parlamento, ou seja, pela maioria dos eleitos pelo povo. Mas a Suprema Corte faz isso para a defesa da Constituição, que, num regime democrático, também foi aprovada pela maioria, como aconteceu no Brasil em 1988.

Para além do debate da função contramajoritária da corte, o consenso da maioria —essencial numa democracia— implica, obviamente, a existência de uma minoria divergente. E quem protege essa minoria quando a maioria parlamentar avança sobre seus direitos? A resposta é: primeiro a Constituição, ao prever os direitos fundamentais; segundo o Supremo Tribunal Federal, que é o guardião da Constituição.

Fachada do Supremo Tribunal Federal com a estátua da Justiça

Essa função de defesa dos direitos da minoria pode ser entendida como democraticamente antipática e tem o potencial de gerar crises. No Brasil, esse risco se amplia especialmente em razão das generosas competências que a Constituição conferiu ao STF, que vão além da declaração de inconstitucionalidade das leis e passam, por exemplo, pelo julgamento criminal de políticos.

Por essas e por outras, o Supremo tem sido alvo de críticas e, em alguns casos, de fortes ataques. A instabilidade da jurisprudência da corte, o abuso das decisões monocráticas e a resistência a adotar um código de ética são críticas legítimas. Mas não parecem justificáveis os ataques sofridos pelo tribunal em razão da firme atuação, nos últimos anos, na defesa da democracia ou quando avançou na proteção dos direitos fundamentais violados tanto pelo Executivo federal, como no combate à Covid-19, quanto pelo Congresso, como no emblemático caso do reconhecimento da união homoafetiva como família (ADI 4.277).

Há, também, exemplos de deferência do STF ao Executivo e ao Legislativo quando o ato normativo ou a lei protegeram direitos fundamentais. Basta lembrar da ADI 3.239, que consolidou a demarcação de terras ocupadas por remanescentes das comunidades quilombolas, ou a ADI 5.357, que reafirmou a decisão parlamentar de impedir que escolas privadas cobrassem mensalidades mais caras de alunos com deficiência.

Recentemente, o debate acerca do avanço do Supremo sobre as competências do Congresso se acirrou, especialmente em razão da discussão sobre a descriminalização do aborto e do uso de maconha. O Parlamento defende que as decisões sobre esses temas são prerrogativas dele por serem questões de natureza política. Sem dúvida, esses assuntos podem ser disciplinados pelo Congresso, desde que não haja violação a direitos fundamentais, como a liberdade individual, a autodeterminação, a intimidade, a vida privada etc. E, se o Congresso não regula essas matérias ou faz isso contra as previsões constitucionais, também não resta dúvida de que o STF está autorizado a atuar. E, na defesa de direitos, faz isso em grande parte por provocação de partidos políticos com representação no Congresso.

Não há uma linha definitiva e universal a dividir as competências do Tribunal Constitucional e do Legislativo. Esse não é um debate exclusivamente brasileiro. Em alguns países, a decisão sobre os referidos temas foi do Parlamento —como o aborto na Argentina ou as drogas em Portugal— e, em outros, pelo Judiciário, como o aborto nos EUA (caso Roe x Wade, de 1973, revisto recentemente pela Suprema Corte) ou a maconha no México.

Como afirmado acima, há motivos para criticar o STF com vistas a aperfeiçoar o exercício de suas funções. Mas não está entre eles a atuação na proteção dos direitos fundamentais.

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