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Alice Amorim e Ana Toni: Insegurança climática é uma emergência a conta-gotas

Pouco se fala do risco à segurança provocado pelas mudanças no clima

Ana Toni, diretora-executiva do Instituto Clima e Sociedade (iCS), durante seminário promovido pela Folha sobre desmatamento
Ana Toni, diretora-executiva do Instituto Clima e Sociedade (iCS), durante seminário promovido pela Folha sobre desmatamento - Reinaldo Canato - 30.out.17/ Folhapress

As capas dos jornais estampam todos os dias o fato de o Brasil ser uma terra de muitos perigos. Riscos econômicos, políticos, jurídicos, ambientais e de vida fazem parte do cotidiano brasileiro. Contudo, pouco se fala sobre uma questão alarmante, ainda que silenciosa neste momento: o risco climático.

Esse risco já está presente na vida de muitos brasileiros. As mudanças climáticas aumentam a frequência de chuvas destruidoras, responsáveis por desabamentos e inundações que deixam centenas de mortos e desabrigados. Alterações na pluviosidade podem afetar safras inteiras, ameaçando a segurança alimentar.

O aumento no calor também amplia a zona de incidência de doenças como dengue, zika e febre amarela, grandes preocupações nacionais. A estiagem sem precedentes que atinge o Nordeste nos últimos anos pode ter relação com as alterações do clima. Vivemos há poucos anos no Sudeste uma crise hídrica que quase gerou revolta na sociedade. Quantas ondas mais precisam destruir ciclovias no Rio de Janeiro para começarem a construir estruturas mais resilientes e adaptadas?

Se os impactos do clima para a segurança e a estabilidade do Brasil são imensos, em âmbito internacional esses efeitos são ainda maiores. Os conflitos em Darfur, que deixaram cerca de meio milhão de mortos, além do êxodo em massa, foram causados por secas ligadas às mudanças climáticas.

Vários estudos sugerem que secas sem precedentes na Síria ajudaram a desestabilizar o país. Eventos climáticos também foram responsáveis por falta de alimentos no Iêmen e no Egito e contribuíram para a eclosão das revoltas populares que levaram à chamada Primavera Árabe, em 2011. O agravamento das alterações do clima, com inundações de áreas densamente povoadas como Bangladesh, salinização de terras férteis e desestruturação da agricultura, tem potencial explosivo.

É por isso que as comunidades de segurança, nacionais e internacionais, agências de inteligência e até o Conselho de Segurança das Nações Unidas já começaram a refletir sobre o impacto do clima. Muito antes de o presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, decidir sair do Acordo de Paris, o Pentágono havia reconhecido os riscos para a segurança nacional impostos pelo aquecimento global, publicando um extenso e detalhado estudo sobre como os militares americanos deveriam lidar com o aumento do nível do mar, a escassez de alimentos e as crises humanitárias relacionadas.

A Política Nacional de Defesa do Brasil faz uma única menção ao tema no documento mais importante do planejamento de defesa do país: “As mudanças climáticas têm graves consequências sociais, com reflexos na capacidade estatal de agir e nas relações internacionais”. E o que isso significa na prática das ações de segurança no Brasil e para o governo?

É cada vez mais importante incluir a variável climática nas análises de risco e elaboração de políticas públicas para evitar mais perdas de vidas, de tempo e de dinheiro. Veja bem: se receber alguns milhares de refugiados da Venezuela já é um desafio, imagina se incluirmos hordas de exilados do clima.

Países, empresas, ONGs e acadêmicos estão somando esforços no combate aos efeitos da mudança do clima —adotando ações concretas para a transição rumo a uma economia de baixo carbono. Contudo, ainda avançamos pouco na adaptação das nossas práticas —seja no planejamento de longo prazo ou na definição estratégica de segurança. Esses temas serão debatidos nesta sexta-feira (18), no Encontro Internacional sobre Clima e Segurança, no Rio de Janeiro.

A segurança, em suas diferentes perspectivas e desafios locais, está na ordem do dia da sociedade brasileira. Numa terra de tantos perigos mais prementes, é fundamental que comecemos a discutir agora sobre todos os impactos da mudança do clima nas estratégias de segurança.

Alice Amorim Vogas

Coordenadora do portfolio de Política Climática e Engajamento do Instituto Clima e Sociedade (iCS)

Ana Toni

Diretora executiva do Instituto Clima e Sociedade (iCS) e sócia-fundadora do GIP (Gestão de Interesse Público)

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