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Valdir Simão: Qual é o dano?

Cabe ao TCU avaliar reparação em acordos de leniência

O ex-ministro do Planejamento Valdir Simão, durante entrevista à Folha, em 2016
O ex-ministro do Planejamento Valdir Simão, durante entrevista à Folha, em 2016 - Pedro Ladeira - 28.jan.16/Folhapress

Em recente decisão, o juiz Sergio Moro vedou que provas colhidas em colaboração premiada no âmbito da operação Lava Jato e compartilhadas com TCU, Cade, Banco Central, CGU, AGU e Receita Federal sejam utilizadas por esses órgãos contra as empresas que celebraram acordo de leniência, salvo autorização específica daquele juízo.

O magistrado reconhece a autonomia entre as esferas criminal, cível e administrativa e, dada a ausência de jurisprudência sobre esse tema, fundamenta a vedação no direito americano.

De fato, a utilização de prova contra o colaborador fragiliza o instituto da colaboração premiada e desestimula a celebração de acordos com essa finalidade. A questão é que a solução adotada, ou seja, a proibição de utilização de provas contra as empresas colaboradoras, não resolverá o problema.

Os órgãos de controle, como a CGU e o TCU, têm vasta experiência na comprovação de atos de corrupção e fraudes em licitações e contratos.

A vedação pode causar algum impacto na tramitação de processos sancionadores e de tomada de contas, mas não impedirá sua conclusão e, como consequência, a aplicação de sanções ou exigência de reparação de danos. A decisão acerta no diagnóstico mas erra no remédio, ou, ao menos, em sua dosagem.

Para além da desarticulação institucional que gera insegurança aos acordos de leniência, há que se levar em conta a enorme dificuldade de adaptar esse mecanismo alienígena ao direito brasileiro.

Nos EUA, onde os programas de leniência são utilizados há muito tempo como instrumentos de justiça negociada, a imposição de sanções pecuniárias considera, entre outras variáveis, a capacidade de pagamento da empresa.

Por aqui, além da multa sobre o faturamento, que pode ser atenuada com a celebração de um acordo de leniência, há a obrigação de reparação integral do dano causado.

Mas qual é o dano? É aqui que reside a controvérsia. A Constituição atribuiu ao TCU competência para julgar as contas daqueles que derem causa a perda, extravio ou irregularidade que resulte em prejuízo ao erário. Há um rito próprio para apurar fatos, quantificar prejuízos, identificar responsáveis e obter o ressarcimento.

É obrigação do administrador público, sob pena de multa, instaurar a tomada de contas especial e enviá-la ao Tribunal de Contas. Não há possibilidade de transação. Por outro lado, deve ser garantida ao responsável pelo dano a possibilidade de ampla defesa e contraditório.

Essas peculiaridades dificultam que questões relativas à quantificação e reparação de prejuízos sejam tratadas no ambiente negocial da leniência. O acordo de leniência não exime a obrigação de reparar integralmente o dano, mas a reparação não é requisito para a celebração do acordo.

Ao incluir ressarcimento de dano nos acordos celebrados, mesmo que se argumente que não se deu quitação, criamos um grande problema. Acordo de leniência e ressarcimento de dano importam em tempos e procedimentos diferentes.

Uma solução possível para minimizar os conflitos institucionais e dar segurança aos acordos de colaboração empresarial seria tratar em processos distintos a imposição de multa e a reparação de dano, conforme prevê o art. 13 da Lei Anticorrupção.

No caso da multa, há a possibilidade de transação mediante acordo de leniência. Reduz-se a sanção em troca de informações e provas que viabilizem a rápida responsabilização dos envolvidos.

Quanto à reparação do prejuízo, instaura-se processo específico de tomada de contas, oferecendo à empresa a possibilidade de contestar valores que considera indevidos. No limite, poderiam incluir-se nos acordos de leniência valores de ressarcimento que são incontroversos.

O TCU já disciplinou esse procedimento em instrução normativa que trata da fiscalização de acordos celebrados pela administração pública federal. Qual é o dano na adoção plena desse modelo?

Valdir Simão

Ex-ministro-chefe da Controladoria-Geral da União (jan.2015-dez.2015, governo Dilma), ex-ministro do Planejamento (dez.2015-mai.2016, governo Dilma) e sócio da Warde Advogados

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