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Michel Schlesinger

O voto judaico

Governante tem de conduzir debates de forma ampla

O rabino Michel Schlesinger, em evento em São Paulo em 2017 - Greg Salibian - 6.mai.17/Folhapress

O desânimo com as eleições que se aproximam é grande. Política virou palavra feia e políticos, sinônimo de ausência de compromisso ético. Para piorar, o debate saiu do campo das ideias para a violência física, o que é absolutamente inadmissível.

Próximos ao período eleitoral, quero buscar no judaísmo inspiração para que brasileiros de qualquer fé sigam participando dos destinos do Brasil. Existiria um voto inspirado em valores judaicos? Em quem um Deus ético votaria em 2018?

A prática do judaísmo se manteve fiel a alguns princípios que podem nortear nosso voto em um cenário complexo como este.

Um deles é a obrigação de não se abster. O judaísmo nos estimula a participar da vida, mesmo em um cenário de opções críticas. Anular ou votar em branco significa se eximir da responsabilidade e deixar a solução nas mãos de outrem. Quem não exerce seu dever de votar incorre no pecado da omissão.

Depois que Caim matou Abel, Deus perguntou a ele: "Onde está o teu irmão"? E Caim respondeu: "Não sei. Por acaso serei eu o guardião do meu irmão?". Somos, sim, guardiões de nossos irmãos e irmãs, e a alternativa seria o assassinato da humanidade que existe em nós.

Uma vez tomada a decisão de votar, em quem votar? A história judaica me ensina a apreciar diretrizes que contribuíram com o desenvolvimento livre da sociedade, como o valor do Estado laico. O voto inspirado em valores judaicos deve buscar um(a) governante que, independentemente de sua convicção religiosa, seja capaz de conduzir os debates de maneira ampla.

Temas como descriminalização das drogas e do aborto e o reconhecimento das relações homoafetivas não devem ser decididos em função de nenhuma religião específica. Nos processos de tomada de decisão, tanto tradições religiosas quanto aqueles que em nada creem devem ser igualmente ouvidos.

Princípio da tradição judaica é a defesa dos direitos humanos. Questionamos há mais de 2.000 anos: "Se eu cuidar apenas de mim, o que serei eu"? Devemos privilegiar candidatos capazes de condenar enfaticamente qualquer violação dos direitos humanos no Brasil e no mundo.

A tradição judaica nos compromete com princípio de justiça social. O voto imbuído de valores judaicos deve privilegiar políticas públicas que protejam a margem mais débil da sociedade e não reforcem mecanismos assistencialistas.

Finalmente, evoco o princípio dos direitos das minorias. Os judeus se habituaram a viver como minoria e desenvolveram instrumentos para incorporar as leis civis à sua legislação religiosa. A maneira como um governante lida com minorias é base da ética judaica. Em alguns casos, não se trata de uma minoria numérica, mas grupos com capacidade de influência limitada por uma história de perseguição e exclusão.

A maneira como o Estado trata povos indígenas e descendentes de quilombolas, quanta liberdade dá ou não a religiões afrodescendentes e o quanto se engaja na luta para que negros e mulheres possuam as mesmas chances que homens brancos é um tema central para o voto imbuído de valores judaicos.

Quando nos engajamos com seriedade em um processo eleitoral, estamos buscando descobrir para onde a maioria quer ir. A escolha de representantes é a oportunidade de medir a temperatura ética de uma sociedade.

Recomendo que busquemos fortalecer um caminho coerente com os valores humanistas que reconheço na minha tradição religiosa. Assim, se não pudermos descobrir o voto secreto de Deus, ao menos, teremos a sensação de votar na urna eletrônica ao Seu lado.

Michel Schlesinger

Bacharel em direito (USP), rabino da Congregação Israelita Paulista e representante da Confederação Israelita do Brasil para o diálogo inter-religioso

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