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José Júlio Senna

O Banco Central deve ganhar autonomia formal? SIM

Rumo certo, mas cabe debate

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fachada preta com banco central do brasil escrito em letras prateadas
Sede do Banco Central do Brasil, em Brasília - Ueslei Marcelino - 16.mai.17/Reuters
José Júlio Senna

A maneira como se enxerga o papel da política monetária tem experimentado transformações importantes. Nos Estados Unidos, por exemplo, a criação do Fed (1913), banco central daquele país, trouxe a crença de que, com tal iniciativa, a estabilidade macroeconômica estaria assegurada. Passou, então, a prevalecer a visão ingênua de que estavam abolidos os ciclos econômicos.

Disseminação desse raciocínio produziu expectativas exageradamente otimistas acerca do futuro da economia e euforia incontida nos mercados financeiros, de que resultou a crise de 1929 e a própria Grande Depressão.

Na sequência, foi-se de um polo a outro. Firmou-se a convicção de que a política monetária seria como uma corda, sendo possível puxá-la para conter a inflação, mas não sendo factível empurrá-la para combater recessão.

A partir de 1936, ampla aceitação das ideias de Keynes reforçou a visão de que política monetária era algo pouco relevante.

Mais tarde, pesquisas lideradas por Milton Friedman deixariam clara a importância da política monetária. Segundo ele, uma condução inapropriada dessa política teria aprofundado a Depressão, razão pela qual tal episódio constituía "um testemunho trágico do poder da política monetária", e não, como imaginava Keynes, evidência de sua impotência.

Novamente, pulou-se de um polo a outro. Restabelecida a confiança na moeda, passou-se a esperar da política monetária muito mais do que ela é capaz de oferecer.

O pensamento de Friedman acabou levando à conclusão de que por meio dessa política não se conseguem afetar produção e emprego em caráter permanente. E que o verdadeiro papel dos banqueiros centrais é perseguir baixas taxas de inflação. Isso é o que eles têm condições de fazer. Tal entendimento está por trás da ampla adoção do regime de metas de inflação e da iniciativa de muitos países de dar autonomia a seus bancos centrais.

Seguindo uma trajetória muito própria, chegamos no Brasil a um estágio bastante avançado em matéria de política monetária. Com razoável sucesso, desde 1999, temos praticado o regime de metas de inflação. Estaria faltando conceder autonomia ao Banco Central? Seria isso um aperfeiçoamento do regime atual? Acreditamos que sim.

Dado que evoluímos para o entendimento de que a tarefa básica de um banco central é cuidar da inflação, nada mais natural do que proteger os formuladores da política monetária de eventuais interferências do meio político em suas decisões operacionais. E a melhor maneira de fazer isso seria assegurar a independência dos dirigentes da instituição, dando-lhes mandatos fixos, descasados do ciclo eleitoral.

Isso eliminaria as incertezas relacionadas com a condução da política em épocas de transição de governo, favorecendo a ancoragem das expectativas de inflação e permitindo o alongamento dos horizontes de poupadores e empresários. A nosso ver, deveríamos caminhar nessa direção, indiscutivelmente.

Acreditamos, porém, que o encaminhamento final de uma proposta nesse sentido deveria ser precedido de uma ampla discussão pública. Quais os requisitos de qualificação técnica dos indicados para o BC?
Que critérios adotar para afastar do cargo os que por alguma razão não cumprirem ou nitidamente não perseguirem os objetivos da instituição? O BC teria independência orçamentária? A administração das reservas internacionais ficaria com o Tesouro ou com o BC? São algumas das questões que merecem debate aprofundado.

José Júlio Senna

Ex-diretor de Dívida Pública e Mercado Aberto do Banco Central (1985, governo Sarney); pesquisador do Ibre/FGV e autor de "Política Monetária: Ideias, Experiências e Evolução" (Ed. FGV, 2010)

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