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Henrique Neves da Silva

Propaganda eleitoral e universidades

Não se pode impedir fluxo de ideias nesse ambiente

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Estudantes da Universidade Federal da Grande Dourados (IUFGD) e da Uems (Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul) protestam contra a proibição de aula pública sobre fascismo pela Justiça Eleitoral, em Dourados (MS). - Divulgação

As universidades não são pré-escolas ou creches lúdicas. Historicamente, elas sempre foram locais de produção e dispersão de ideias, debates intensos e críticas acirradas.

Nem no auge da repressão, há 50 anos, com metralhadoras em punho e com o sacrífico maior de colegas, foi possível silenciar os estudantes. Seria ingênuo acreditar que nos dias atuais, em plena democracia, a remoção de cartazes ou faixas emudeceria o campus. O efeito parece ter sido inverso. As medidas ganharam enorme repercussão. Os dizeres que eram vistos por poucas dezenas ou centenas foram expostos à crítica de milhões.

A legislação eleitoral --cada vez mais proibitiva-- realmente possui regras que impedem que os candidatos façam propaganda eleitoral em prédios públicos ou em lugares de uso comum. Porém, tais limitações não significam que tudo o que ocorre nesses locais seja irregular.

Conforme definido pelo TSE, a propaganda eleitoral é o ato pelo qual se solicita voto. Sem que haja esse pedido expresso, a existência de desvio não pode ser presumida subjetivamente. Por outro lado, os debates acadêmicos não podem ser suspensos durante as campanhas, ainda que neles existam elogios ou críticas aos candidatos.

No conflito de normas, a livre manifestação do pensamento possui posição preferencial e impede, juntamente com outros direitos constitucionais, que agentes de qualquer dos Poderes interfiram nas atividades das instituições públicas ou privadas de ensino superior.

A legislação eleitoral precisa ser atualizada. Truncado e retalhado por sucessivas reformas bienais, o texto legal contém palavras imprecisas que geram interpretações díspares.

Cabe lembrar, porém, que as proibições eleitorais visam garantir a liberdade dos eleitores e a igualdade de chances entre os candidatos. Elas não podem ser invocadas para tolher o livre-arbítrio resguardado pela norma. A lei existe para proteger o cidadão contra abusos praticados pelos candidatos, e não para blindar as candidaturas contra a livre manifestação dos eleitores.

Os pontos de vista defendidos pelos professores universitários, no exercício da liberdade de cátedra marcada pela contradição e discussão de conceitos, e pelos alunos, na livre expressão do pensamento, não podem ser equiparados aos atos de propaganda eleitoral ou catecismo ideológico. Admitir o oposto seria infantilizar e desrespeitar o senso crítico dos universitários; negar a pluralidade e a diversidade de ideias; desconhecer que o ensino acadêmico, nos dias atuais, é complementado por inúmeras fontes de informação; impedir a formação do pensamento crítico; proibir o debate democrático.

Enfim, seria e é claramente inconstitucional, como prontamente reconhecido pelo Supremo Tribunal Federal para coibir os excessos cometidos.

O caráter excepcional das últimas eleições, marcadas por forte antagonismo e extremismos agudos, reforça que a tolerância deve ser sempre cultivada, inclusive entre estudantes e professores. O preconceito não tem titularidade. Da mesma forma que a intervenção estatal no diálogo acadêmico não se justifica, pessoas não podem ser expulsas da convivência universitária em razão de legítima opção política. A liberdade não existe pela metade. Para que se possa exigir que a diversidade seja respeitada externamente, é necessário que ela seja praticada internamente.

Henrique Neves da Silva

Advogado, presidente do Instituto Brasileiro de Direito Eleitoral e ex-ministro do TSE (2008-2017)

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