O presidente eleito, Jair Bolsonaro, dá sinais de que vai instalar a era da "democracia digital". Os quadros de seu ministério foram anunciados pelas redes sociais. Não se sabe até quando essa disposição terá duração, mas o fato é que, à maneira do presidente Donald Trump, o capitão reformado se inclina a construir um processo de comunicação com a sociedade a partir da internet.
Trata-se de uma estratégia que revela as restrições que o grupo vitorioso faz à mídia clássica, assim retratada pelo vice-presidente eleito, general Hamilton Mourão: "aquele processo antigo de comunicação, via filmetes, propagandas tradicionais, será abandonado... a mídia digital é o método fundamental para conseguirmos nos comunicar, muito mais que essas propagandas que gastam rios de dinheiro".
A gastança com publicidade governamental pode ter seus dias mais controlados. Os governos têm despendido cifras gigantescas para propagar feitos das empresas estatais, a começar por três pilares de visibilidade: Banco do Brasil, Caixa Econômica e Petrobras.
A par dos produtos para consumo de massa, esses baluartes da comunicação fornecem apoio a empreendimentos nos campos dos esportes, das artes e do entretenimento, além de campanhas de utilidade pública. O próprio governo central faz campanhas propagando seus méritos.
Poderia o governo acabar com a comunicação no rádio, TV e mídia impressa? Não. Poderia, isso sim, diminuir a publicidade de suas empresas. Isso sim. Não extingui-la. Vamos às razões. Primeiro, lembre-se que, apesar das 116 milhões de pessoas conectadas à internet --64,7% de toda a população, segundo dados do IBGE de 2016--, as margens continuam distanciadas da tecnologia da informação.
Interessa a qualquer governo inserir as massas no circuito de comunicação, mais ainda pelo fato de que é a grande mídia --TV e rádio-- que chega aos fundões. Deixá-las fora do processo seria um erro. Não se quer diminuir a importância da mídia digital, que encarna o escopo de inovação e tende a ser cada vez mais acessada por usuários. A ideia é a de usar todos os meios de comunicação disponíveis, sob uma equação que combine conteúdos, públicos-alvo e horários de audiência.
A disposição do presidente eleito de adotar a democracia digital é saudável. Mas não pode fazer isso por "indignação", "raiva" acumulada por acidentes na campanha, particularmente no campo das fake news.
Visões contrárias fazem bem às democracias e não devem motivar retaliação. A lei de visibilidade recomenda que produtos, bens, valores, instituições sejam divulgados a seus públicos-alvo sob critérios de razoabilidade, oportunidade e relação custo-benefício.
Nos EUA, Trump usa o Twitter para manifestar sua visão. Mas destila ódio aos meios de comunicação. A exceção é para uma rede de comunicação que apoia o governo. Será ruim para sua imagem esticar a querela com a mídia.
Esses aspectos devem ser avaliados por Bolsonaro e seu entorno. Eliminar bolsões da grande mídia poderá custar caro ao novo governo. Controlar as máquinas publicitárias das estatais e pôr um freio aos exageros da comunicação institucional, esses são os caminhos a seguir. Nem lá, nem cá. O importante é adotar transparência, atender às legítimas demandas das mídias --principalmente pedidos de entrevistas--, e não negar os princípios da comunicação nas democracias: o culto à verdade, o respeito à liberdade da imprensa, o convívio com os contrários.
Bolsonaro e a democracia digital
Estratégia será boa se feita não por 'raiva' da mídia
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