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Maria Hermínia Tavares de Almeida, Luiz Felipe de Alencastro e Luiz Carlos Bresser Pereira

Comissão Arns, em defesa dos cidadãos

Conquistas estão sob ameaça de retrocesso

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Paulo Evaristo Arns, cujo nome é utilizado no título da nova comissão
Paulo Evaristo Arns, cujo nome é utilizado no título da nova comissão - Cleber Cardoso Nunes/ Reprodução

No limiar da Nova República, a Constituição de 1988 colocou no horizonte o projeto de uma democracia pluralista capaz de dar forma e sustentação a uma sociedade mais justa. Definiu também caminhos para alcançar essa meta. Inspirada nas lutas democráticas e populares, a Carta Constitucional estabeleceu as regras para o exercício pleno da cidadania, assentada numa ideia generosa de direitos humanos, nas suas três dimensões: direitos civis, políticos e sociais.

Sob a Constituição de 1988, o país logrou estabelecer um sistema democrático pujante e plural; instituições de controle que trataram de trazer à luz e de pôr freio a desmandos dos governantes, expondo as relações espúrias entre dinheiro e política. 

Avançou-se muito na redução da pobreza e algo na diminuição das desigualdades de renda, oportunidades de acesso à educação, à saúde e a outros serviços sociais básicos, bem como no reconhecimento —embora apenas parcialmente expresso em políticas públicas— de que, não bastasse terem as desigualdades raiz na distribuição assimétrica de renda e riqueza, elas ainda se manifestam na discriminação de raça, gênero, orientação sexual e tradições culturais.

Já os direitos civis, que sempre estiveram atrelados à situação de classe, estão agora mais precários. Hoje, como ontem, a renda, o local de moradia e a cor da pele continuam a determinar as chances de alguém ser ou não tratado como cidadão pleno, credenciado por definição ao respeito dos outros cidadãos mais bem aquinhoados e à proteção dos agentes do estado. 

A má qualidade dos serviços sociais públicos, utilizados basicamente pelos mais pobres, além de sua exposição rotineira à violência desabrida dos agentes da ordem, atestam cotidianamente a existência de brasileiros na prática menos iguais que outros. 

Não há dúvida de que, apesar dos avanços registrados, resta um extenso e íngreme percurso rumo à utopia da Carta de 1988: uma nação socialmente mais justa e respeitadora dos direitos das pessoas.

Essa trajetória, com todos os seus percalços, está hoje em vias de ser bloqueada; as conquistas, sob ameaça de retrocesso. Eleitos pelo sufrágio democrático, o novo governo federal e governos de alguns estados, bem como integrantes da base parlamentar situacionista, têm revelado compreensão acanhada dos direitos de cidadania e visão preconceituosa em relação a valores e comportamentos aceitos em qualquer sociedade diversa e complexa. Sem falar nas suas ideias simplórias, por vezes brutais e ilegais, para atender os justos anseios da população por segurança e paz.

Frágil também é o seu compromisso com o pluralismo político, sem o qual a democracia se estiola. Estão ameaçados sobretudo aqueles grupos cujos direitos são precariamente garantidos ou periodicamente ignorados, como as comunidades indígenas e os milhões de brasileiros dos campos e das periferias pobres das cidades.

As instituições do Estado democrático são fortes e sólidas, mas nem por isso necessariamente aptas, por si sós, a se contrapor à propensão ao retrocesso do novo governo. Elas dependem, para tal, da mobilização ativa de todos quantos aspiram a que as promessas da Constituição de 1988 se realizem de forma plena.

Essa é a motivação dos 20 fundadores da Comissão de Defesa dos Direitos Humanos D. Paulo Evaristo Arns —Comissão Arns—, que nasce com o compromisso de identificar e denunciar aquelas ações do governo que firam a integridade física, a liberdade e a dignidade humana nestes tempos difíceis.

Maria Hermínia Tavares de Almeida

Professora titular aposentada de ciência política na USP e pesquisadora do Cebrap

Luiz Felipe de Alencastro

Professor da Escola de Economia de São Paulo da FGV e um dos fundadores da comissão

Luiz Carlos Bresser-Pereira

Professor emérito da Fundação Getulio Vargas, ex-ministro da Fazenda (1987, governo Sarney), da Administração e da Reforma do Estado e da Ciência e Tecnologia (1995-1998 e 1999, governo FHC)

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