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Luís Fernando Tófoli

Terapias psicodélicas e (auto)conhecimento

É preciso superar preconceitos sobre tais recursos

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Foto da planta chacrona, um dos componentes do chá de ayahuasca - Caio Guatelli - 8.out.11/Folhapress

O artigo da psicanalista Danit Pondé publicado nesta Folha e um vídeo divulgado no canal de YouTube do professor titular de psicologia da USP Christian Dunker são oportunidades recentes para discutirmos o potencial papel dos psicodélicos como tratamento e as suas peculiaridades.

Para iniciar, é fundamental esclarecer que a assim chamada terapia assistida por psicodélicos não é uma tentativa de se esquivar dos processos de busca por autoconhecimento.

É justamente baseado no princípio de que esses psicoativos são capazes de facilitar a revelação e/ou o trabalho de conteúdos mentais submersos que se estabeleceram os procedimentos da terapia psicodélica.

Ao contrário de se opor à psicanálise ou outras abordagens, tais tratamentos experimentais em geral necessitam de um importante papel da psicoterapia --antes e depois da aplicação da droga.
Ainda, as sessões de tratamento não devem ser confundidas com o uso recreativo ou social, pois se dão com preparo adequado, ambientes controlados e um processo de elaboração terapêutica posterior. 

É assim que acontece com o MDMA, princípio ativo do ecstasy, cuja avaliação como apoio à terapia já está a poucos passos de ser oficializada como um tratamento particularmente encorajador na síndrome do estresse pós-traumático.

Da mesma forma, a psilocibina, presente nos chamados "cogumelos mágicos", está atualmente registrada em pelo menos 25 estudos futuros ou em andamento, focando em uma variedade de problemas que vão do transtorno obsessivo-compulsivo ao tratamento de uso problemático de álcool e outras drogas.

A ayahuasca, mais conhecida como Santo Daime, é uma bebida psicoativa de origem indígena cujo uso ritual é autorizado no Brasil e tem permitido que nosso país faça parte da vanguarda científica psicodélica, com pesquisas realizadas por diversas grandes universidades brasileiras, incluindo resultados promissores para o tratamento da depressão e da dependência.

Entretanto deve-se dizer que nenhuma dessas terapias é ainda regulamentada, e em alguns casos estamos apenas começando a alcançar quais seriam os potenciais de cuidado --e eu uso essa palavra no lugar do termo "cura" de propósito, pois a ideia de algo que "resete" sua mente de forma milagrosa deve mesmo ser vista com cautela.

Como em qualquer processo terapêutico, da psicanálise ao medicamento, haverá pessoas que não obterão respostas e, mais ainda, poderá haver problemas se o método for aplicado de forma inescrupulosa. O uso de psicodélicos é, por exemplo, contraindicado para pessoas com diagnósticos de esquizofrenia ou transtorno bipolar.

Por se tratar de substâncias sem patentes, o interesse da indústria farmacêutica é, porém, muito tímido, até porque seu uso acontece em quantidades limitadas e em momentos específicos, o que é bem diferente do uso diário de medicamentos psiquiátricos.

Talvez justamente por isso ainda seja tão difícil e burocrático pesquisar com essas substâncias, quando puras, no Brasil. É preciso, assim, pensar estrategicamente e investir onde já estamos à frente da maioria dos países.

Para isso, é necessário superar preconceitos e ampliar nosso conhecimento estratégico sobre essas poderosas ferramentas.

Luís Fernando Tófoli

Doutor em psiquiatria pela USP e professor da Unicamp, é coordenador do Laboratório de Estudos Interdisciplinares sobre Psicoativos (Leipsi) e membro do Conselho Estadual de Políticas sobre Drogas do Estado de São Paulo (Coned-SP)

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