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Luiz Armando Bagolin

'Abaporu', 'A Lua' e a andorinha

Aquisição deve ser brindada com feliz sobriedade

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A tela "A Lua" (1928), de Tarsila do Amaral - Reprodução
Luiz Armando Bagolin

A venda da tela “A Lua” (1928), de Tarsila do Amaral, para o MoMA (Museu de Arte Moderna de Nova York), por US$ 20 milhões, reacendeu o debate sobre a capacidade das instituições nacionais em manter o nosso patrimônio artístico e cultural, em especial obras de arte pertencentes ao modernismo brasileiro, revalorizado no mercado internacional.

Essa pintura pertence à fase antropofágica de Tarsila, como “Abaporu” e algumas pouquíssimas outras. “Abaporu”, vale lembrar, foi adquirida pelo colecionador Eduardo Constantini em 1995, por US$ 1,4 milhão, para figurar como uma das joias da coroa do Malba, em Buenos Aires.

“A Lua” chamou a atenção dos curadores do museu norte-americano durante os preparativos para uma grande mostra de Tarsila, ocorrida no ano passado, em Nova York. 

Atualmente, é difícil obter uma das obras desse período, bastante disputado porque permite sugerir a existência de um surrealismo brasileiro “pari passu” ao europeu (Tarsila olhou também atentamente Fernand Léger, André Lhote, Albert Gleizes e sua amiga Anita Malfatti).
 
A pintura pertencia à coleção do casal Milton Guper e Fanny Feffer, que a comprou diretamente da artista, na década de 1950. Portanto, para muita gente, a aquisição feita pelo MoMA deve ser comemorada, já que a tela permanecerá disponível para um público mais amplo, dando maior visibilidade à arte brasileira. Para outros, contudo, a venda da obra a um museu estrangeiro simboliza a situação de penúria de nossas instituições museológicas. 

Os museus brasileiros deveriam ter condições de adquirir uma tela dessa importância —em vez do que ocorreu recentemente com o MAM Rio (Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro), que leiloou uma pintura de seu acervo para tentar equilibrar as contas. Mas devemos lembrar que também temos por aqui muitas instituições bem cuidadas, nas quais se encontram obras tão importantes quanto “Abaporu” e “A Lua”.

Aliás, essas instituições são frequentemente procuradas para emprestar itens de suas coleções para a realização de exposições como as do MoMA, ajudando a sustentar suas propostas curatoriais. O IEB (Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo), que guarda a maior parte da coleção de arte de Mário de Andrade, conta com telas como “O Mamoeiro” (1925), obra-prima da fase Pau-Brasil, além do estudo para “A Negra” (1923), ambas de Tarsila, entre muitas outras. Só o IEB emprestou para a exposição do MoMA dezesseis itens.
 

As coleções de arte são sempre complementares, devendo coexistir, ainda que temporariamente, para adquirir pleno sentido. A circulação dos acervos dos grandes museus tem produzido hoje, sem dúvida, o que há de mais relevante em termos de pesquisa, divulgação e acessibilidade à cultura.

Entretanto, a aquisição feita pelo MoMA deve ser brindada com feliz sobriedade. É um museu com uma das melhores coleções de arte moderna do mundo, que acaba de conquistar uma bela pintura da nossa Tarsila do Amaral. O ato é mais simbólico do que pragmático. Como diz o ditado: uma só andorinha não faz o verão.

Luiz Armando Bagolin

Professor do Instituto de Estudos Brasileiros da USP e curador da exposição "Era uma Vez o Moderno [1910-1944]", em cartaz no Centro Cultural Fiesp, em São Paulo, até 29 de maio

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