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Floriano Pesaro e Natalia Pasternak

Eram os nazistas socialistas?

Regime totalitário de caráter único não nasceu de esquerda nem de direita

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Assinatura de Adolf Hitler em aquarela intitulada "Im Wald" ("Na Floresta"), exibida em casa de leilões na cidade de Nuremberg, na Alemanha - Daniel Karmann - 08.fev.2019/AFP
Floriano Pesaro Natalia Pasternak

O fato de o Partido Nazista, que chegou ao poder na Alemanha em 1933, ter o termo “socialista” em seu nome anda gerando muita confusão entre cidadãos –e governantes– desinformados.

É verdade que o termo “nazista” nasceu da fusão dos termos “nacional” e “socialista”. Mas usar este dado para afirmar que o nazismo era, na verdade, “de esquerda” é tão absurdo quanto afirmar que a República Democrática da Coreia de Norte é uma democracia.

Um pouco de história. O Partido Nazista teve como predecessor um grupo político chamado Partido dos Trabalhadores da Alemanha, fundado por Anton Drexler e pelos irmãos Otto e Gregor Strasser.

Os fundadores realmente tinham viés socialista. Seu programa previa a nacionalização das grandes corporações, a abolição da especulação de terras, a criminalização da usura.

Hitler nunca aprovou o esquerdismo dos fundadores. Sua aversão ao marxismo e ao socialismo, que ele manifesta, seguidas vezes, como parte de sua ideologia antissemita, fica clara em vários trechos de sua autobiografia-manifesto, o livro “Mein Kampf” ("Minha Luta"). Por exemplo: “A doutrina judaica do marxismo repudia o princípio aristocrático da natureza, e o substitui pelo eterno privilégio da força laboral e energia, sua massa numérica e seu peso morto”.

Os fundadores do partido sabiam que defender ideais de esquerda, depois que a agremiação caiu sob o controle de Hitler, seria perigoso. Em 1930, Otto Strasser foi expulso. Com a chegada de Hitler ao governo, os sindicatos foram proibidos. Gregor Strasser foi executado.


Nos meses após a tomada do poder, nazistas prenderam socialistas, comunistas, chefes de sindicatos. Muitos foram mortos. E por que, então, Hitler não apagou a palavra “socialista” do nome do partido?  Ele precisava de apoio financeiro e base social. O discurso e o vocabulário esquerdista, naquele momento, tinha força eleitoral e, por isso, era conveniente.

Já para obter fundos, Hitler prometeu ao capitalismo alemão substituir o marxismo pelo fundamentalismo nacionalista. Em troca, o apoio, fartamente documentado, dos plutocratas ao regime. O período nazista foi excepcional para o capitalismo alemão.

Olhando para o cenário brasileiro, vê-se um forte movimento conservador, de direita, que busca desqualificar todo e qualquer outro movimento, em especial de esquerda, mas não só. Podemos enxergar aí, também, uma reação aos anos de governos esquerdistas que também tratavam outras ideologias como “inimigas da nação”.

A falsa questão da “paternidade” do nazismo é parte da tentativa de deslegitimar inteiramente o campo de esquerda, e que atinge ainda as ideias social-democratas e a garantia de direitos a grupos historicamente negligenciados, como mulheres, população negra e LGBTI+.

Diante disso, é necessário reafirmar que o nazismo não nasceu nem da esquerda, nem da direita. Foi um regime totalitário de caráter único. A ideologia do nazismo era a supremacia racial e nacionalista. Mas foi um regime sustentado pela extrema-direita e que beneficiava o capitalismo alemão.

Não há aqui intenção de responsabilizar a direita, em sentido amplo, pelas atrocidades nazistas. Churchill, direitista conservador, opôs-se a Hitler. A antiga URSS, de esquerda totalitária, também.

O nazismo foi um regime genocida. Assim deve ser lembrado. Não como fruto de correntes ideológicas que disputam legitimamente o jogo democrático. A verdade sobre o nazismo tem que ser lembrada para que o regime nunca seja relativizado, minimizado. E, muito menos, repetido.

Floriano Pesaro

Sociólogo, é ex-secretário de Desenvolvimento Social de São Paulo (2015-2018, governo Geraldo Alckmin) e ex-deputado federal pelo PSDB-SP (2015-2019)

Natalia Pasternak

Microbiologista, presidente do Instituto Questão de Ciência e coautora do livro 'Contra a Realidade', da ed.Papirus. É professora visitante em Columbia University e participa do Conselho Consultivo do Instituto Brasil-Israel

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