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Cesar Callegari e Élida Graziane Pinto

Faz de conta que aposentadoria é educação

Alunos e professores deveriam 'se ocupar' da defesa de recursos

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Mais uma vez, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo acatou –inconstitucionalmente– a inclusão de gastos com aposentadorias e pensões nos recursos mínimos que o governo paulista tem obrigação de aplicar para atender a mais de 3,5 milhões de alunos nas 5.000 escolas da sua rede pública de ensino.

Ao apreciarem as contas do ano passado dos ex-governadores Geraldo Alckmin e Márcio França, os conselheiros decidiram dar mais cinco anos de prazo para a exclusão desse cômputo irregular. A despeito da impugnação do Ministério Público de Contas, prevaleceu o faz de conta que previdência é educação até 1° de janeiro de 2024.

É espantosa a alegação de que proibir o desvio de recursos educacionais para cobertura de rombo previdenciário seria uma medida complexa demais para ser resolvida rapidamente, como se esse problema fosse recente. Ora, já em 2000, a CPI da Educação, criada pela Assembleia Legislativa, havia comprovado esse e outros desvios perpetrados entre 1995 e 1998.

A lei de diretrizes e bases da educação nacional (LDB), de 1996, nunca foi plenamente cumprida pelos sucessivos governadores paulistas que embutiram despesas relativas a aposentadorias e pensões dentro do gasto mínimo estadual em educação e dentro da aplicação dos recursos dos fundos de manutenção e desenvolvimento da educação básica e de valorização dos profissionais da educação (anterior Fundef e atual Fundeb). Só nos últimos oito anos, cerca de R$ 28 bilhões (em valores corrigidos pelo IPCA) foram desviados do Fundeb para cobrir insuficiência financeira da SPPrev.

Alunos em escola da rede pública estadual na zona sul de São Paulo
Alunos em escola da rede pública estadual na zona sul de São Paulo - Zanone Fraissat - 30.ago.18/Folhapress

Décadas se passaram no estado mais rico da Federação e agora, a pretexto de gerir escolhas trágicas diante da crise fiscal, negou-se, de novo, o estrito e imediato cumprimento às Constituições Federal e Estadual e à LDB. Todos sabem que é inconstitucional e ilegal, mas adiam a resolução do problema para o próximo governante, ao custo da má qualidade da educação básica estadual e da ocultação contábil do passivo previdenciário.

As consequências desse desfalque são gravíssimas. Um jovem egresso do ensino médio paulista sai da rede pública estadual sabendo o equivalente ao esperado para a nona série do ensino fundamental. Em matemática, só 10% dos estudantes têm conhecimentos satisfatórios e apenas 33% sabem o suficiente de língua portuguesa. Há índices alarmantes de evasão escolar, precariedade estrutural e superlotação das salas de aula, contratações temporárias em excesso e falta de valorização dos profissionais da educação, entre outros dados que atestam a crise educacional paulista.

Em 2015, os estudantes se manifestaram ocupando as escolas. Talvez agora, eles e seus professores devessem também “se ocupar” da defesa dos recursos constitucionalmente vinculados à educação básica. Se as mobilizações no ensino superior foram capazes de impugnar parte do contingenciamento que atinge as universidades federais, com maior ênfase é preciso desvendar o custo da ignorância imposto aos milhões de crianças e jovens da educação básica paulista por essa bilionária, histórica e inconstitucional sonegação dos recursos a ela vinculados.

Não podemos aceitar o faz de conta que sacrifica o presente e o futuro da educação pública para ocultar o passivo previdenciário mal resolvido ao longo das últimas décadas de pedaladas educacionais em São Paulo.

Cesar Callegari

Sociólogo, ex-secretário de Educação Básica do MEC (2012-13, governo Dilma), ex-secretário municipal da Educação de São Paulo (2013-15, gestão Haddad) e autor de 'O Fundeb' (ed. Aquariana)

Élida Graziane Pinto

Professora de finanças públicas da Escola de Administração de Empresas de São Paulo-FGV e Procuradora do Ministério Público de Contas do Estado de São Paulo

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