Brasil, desde 2006, tornou obrigatória a existência de informações nutricionais em embalagens de alimentos. Agora, temos a oportunidade de possibilitar à população mais esclarecimento a respeito do que ela está consumindo: a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) abriu uma consulta pública para decidir qual será o modelo de rotulagem nutricional a ser adotado no país.
O debate tem duas faces muito bem definidas: profissionais de saúde e organizações da sociedade civil, como a Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e Síndrome Metabólica (Abeso) e o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), e, de outro lado, a indústria de alimentos. O modelo defendido pelo primeiro grupo consiste na presença de triângulos pretos que se destacam nos rótulos e informam com nitidez o excesso de ingredientes nocivos presentes em determinado produto.
Como organização de profissionais de saúde envolvidos no estudo da obesidade, é nosso dever participar ativamente desse processo. Rótulos mais adequados contribuem diretamente na prevenção de doenças crônicas não transmissíveis (DCNTs), que são hoje a principal causa de morte dos brasileiros e estão associadas ao consumo excessivo de alimentos ricos em gordura saturada, açúcares ou sódio, como bolos industrializados, macarrão instantâneo, biscoitos recheados e muitos outros alimentos ultraprocessados.
É importante ressaltar que o modelo de advertência em formato de triângulos foi desenvolvido com base não em impressões vagas ou interesses comerciais, mas sim em evidências científicas e experiências internacionais, tendo como norte o interesse público. Diversos estudos comprovam, sucessivamente, a superioridade do modelo. Um deles mostrou que voluntários acertaram os ingredientes presentes em altas quantidades 75,7% das vezes ao serem apresentados à rotulagem com alertas em triângulos, contra apenas 35,4% de acertos quando consultaram a rotulagem defendida pela indústria.
Esse resultado é corroborado na prática no Chile, país percussor na adoção da rotulagem nutricional de advertência no mundo. Uma pesquisa conduzida pela Universidade do Chile descobriu que a nova forma de apresentar as informações nutricionais trouxe mudanças expressivas nos hábitos alimentares da população. Metade das mães relataram usar as informações para saber se um alimento é saudável ou não e foi constatada uma diminuição substancial na compra de produtos altos em açúcar, como 25% de queda na compra de bebidas adoçadas e 14% na de cereais matinais. Acertadamente, por lá, produtos com alertas não podem sequer ser comercializados em escolas.
Não é questão de condenar os produtos industrializados, já que nem todos esses alimentos são ruins para a sua saúde. Praticamente todos os alimentos que consumimos são processados de alguma forma, e contamos com eles para termos uma dieta saudável.
Frente ao corpo de evidências científicas indiscutivelmente favorável e a necessidade urgente de medidas populacionais para frear o avanço das DCNTs, a nossa expectativa é grande pela implementação da rotulagem frontal no formato de triângulos, permitindo que o brasileiro possa fazer escolhas alimentares mais conscientes, saudáveis e sustentáveis.
O momento é um divisor de águas para a saúde no país. A consulta pública estará aberta até o dia 6 de novembro. A Anvisa sugere um modelo nunca testado no Brasil, nem comparado ao modelo de advertência —ou seja, fraco em evidência científica!
O que está em discussão aqui é o futuro da saúde de todos os brasileiros, e a informação é nossa maior aposta no combate ao avanço das DCNTs.
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