Há uma frase famosa do filósofo George Santayana (1863-1952) que não me sai da cabeça faz algum tempo: “Quem não recorda o passado está condenado a repeti-lo”. E como estamos esquecidos! O caso da fiscalização e da quase apreensão de uma HQ na Bienal do Livro do Rio de Janeiro é um exemplo límpido do nosso “eterno retorno” à sanha censória ligado ao mundo dos livros. O nosso pendor a controlar e incinerar ideias que não coadunam com a nossa visão de mundo é tão antiga quanto o surgimento da leitura e da escrita.
O livro é uma das ferramentas mais poderosas já criadas pelo homem. Antes dele, necessitávamos despender uma energia descomunal para preservar o conhecimento. A memória precisava focar naquilo que já era sabido, repeti-lo exaustivamente e passá-lo adiante através da oralidade.
No momento em que escrita, leitura e livro são inventados, ocorre uma revolução na mente humana. Ela agora pode despender energia para outros assuntos, como filosofia, ciência etc., já que a memória ganha um suporte para acampar, descansar e, quando for solicitada, abrir-se aos olhos humanos.
Isso parece algo extraordinário, porém, desde o começo dessa história, a desconfiança e a vontade piromaníaca de alguns não cessou de caminhar com a produção e disseminação dos livros.
É de extrema importância ressaltar que censurar livros é um ato de mentes autoritárias, dogmáticas, que enxergam o mundo de maneira uniforme. E encontramos pessoas com essas características em todos os matizes ideológicos e religiosos. Não aponte o dedo para um censor antes de verificar se você não apoia governos, governantes e grupos que também são censores. A sua censura não é mais justificável que a outra. Isso tem nome: hipocrisia.
Uma história da censura de livros demandaria um espaço gigantesco. Muitos livros já foram escritos a respeito, mas algum exemplo pode ser bem didático para tentarmos, com muito esforço, aprender com o passado. A censura não tem geografia. Na China, em 213 a.C., o imperador Qin Shi Huangdi realizou uma das maiores queimas de livro de toda a história. Ele queria que a memória de seu povo começasse com o seu governo. Queimar livros, podemos pensar, é a tentativa de aniquilar a memória de um povo.
Censurar livros significa censurar ideias, pensamentos e principalmente a liberdade individual. E essa liberdade foi elevada exponencialmente com o surgimento da Reforma Protestante, com sua consigna de que cada fiel poderia ler individualmente sua escritura sem mediação eclesial, e com a invenção da prensa de Gutenberg, que fez com que a produção livreira disparasse e, assim, também a disseminação das ideias. Esses dois eventos transformaram o mundo para sempre.
A criação da intimidade, do mundo privado, da liberdade de expressar suas ideias e sentimentos é uma dívida que temos com o mundo dos livros. Aqueles que perseguem os livros estão combatendo nossa liberdade individual. Eles não suportam a ideia de que não controlam o que estamos lendo, sentindo e pensando.
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