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Bruno Brandão

É uma luta por direitos

Combate à corrupção não pode ser embalado pelo populismo

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Em 1929, o então prefeito de Berlim, Gustav Böb, foi acusado de corrupção em um esquema de compras fraudadas de uniformes para funcionários públicos. O material era vendido pelos irmãos judeus Leo, Max e Willy Sklarek, que mantinham o monopólio do fornecimento através de suborno. Os irmãos foram presos, e o prefeito renunciou.

O escândalo abalou fortemente a confiança da população berlinense na política, e o caso foi exaustivamente explorado pela máquina de propaganda antissemita do emergente partido nacional-socialista. Ao final daquele ano de 1929, os nazistas conquistaram pela primeira vez assentos na Câmara Municipal de Berlim.

Bruno Brandão - diretor executivo da Transparência Internacional-Brasil
O diretor executivo da Transparência Internacional - Brasil, Bruno Brandão - Divulgação

A Transparência Internacional (TI), organização presente em mais de 110 países e com sede em Berlim, lançou nesta semana o resultado de seu Índice de Percepção da Corrupção de 2019. Medido desde 1995 e cobrindo 180 países e territórios, o IPC é hoje o mais longevo, abrangente e respeitado medidor da corrupção no mundo —e a publicação mais conhecida da TI.

Entre os países com menor percepção de corrupção no mundo figuram, ano após ano, aqueles com regimes democráticos consolidados. Na outra ponta, entre os mais corruptos, abundam os regimes autoritários. Reiteradamente, a Transparência Internacional ressalta a importância das instituições democráticas para o controle efetivo e sustentável da corrupção: governos abertos, transparentes e participativos são fundamentais na receita anticorrupção.

Da mesma forma, a TI alerta sistematicamente para o uso do discurso anticorrupção para a legitimação do autoritarismo. Abundam na história mundial episódios como o do prefeito Böb, em que escândalos de corrupção são utilizados para pavimentar o caminho do arbítrio.

Há poucos dias, o mundo se chocou com o discurso de um membro do governo brasileiro emulando ostensivamente a propaganda nazista. O presidente corretamente o afastou e repudiou o ato tempestivamente. Mas a reação está longe de aplacar as preocupações sobre as atitudes do atual governo.

O governo Bolsonaro, eleito a partir de forte discurso anticorrupção, ataca sistematicamente dois pilares da luta contra a corrupção e do sistema democrático: a imprensa e as ONGs. Ao hostilizar recorrentemente jornalistas e ativistas e insuflar o ódio da população contra estes profissionais, o governo exerce uma forma de censura baseada na agressão e no medo, buscando deslegitimar e calar as vozes que criticam, cobram e denunciam.

Mais uma vez, o resultado do Brasil no IPC decepciona. Na escala que vai de 0 a 100, na qual zero significa que o país é percebido como altamente corrupto e 100 que o país é percebido como muito íntegro, o Brasil se manteve estável, com 35 pontos —sua pior pontuação na série histórica e caindo mais uma posição no ranking, em 106º lugar de um total de 180 países e territórios medidos.

O resultado não apenas frustra as expectativas alçadas pelo forte componente anticorrupção nos discursos das candidaturas vitoriosas de 2018, mas reitera uma lição tão simples quanto fundamental: corrupção se combate com melhores leis, melhores instituições e melhores comportamentos.

Foi justamente nessa trilha que o Brasil alcançou resultados extraordinários em seus esforços recentes no enfrentamento da corrupção e da impunidade. A Lava Jato não surgiu do vácuo, mas sim das reformas legais, do aprimoramento da capacidade e autonomia das instituições de controle, da atitude de agentes da lei e da sociedade como um todo, que não mais normaliza a impunidade de ricos e poderosos.

As narrativas de heróis e vilões servem ao oportunismo de quem está em busca de poder e ao diversionismo de quem almeja a impunidade. O país deve lutar para não cair nessas armadilhas, embaladas no populismo interesseiro. Mas deve, com ainda maior afinco, cuidar para que a luta contra a corrupção não seja desvirtuada do que ela mais essencialmente representa: uma luta por direitos.

Bruno Brandão

Diretor-executivo da Transparência Internacional-Brasil

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