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César Muñoz Acebes

Gestos vazios do governo para as mulheres

Com Damares, falta investimento e sobra marketing

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César Muñoz Acebes

A ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, convocou uma coletiva de imprensa em 25 de novembro, Dia Internacional para a Eliminação da Violência contra as Mulheres. Ela permaneceu em silêncio por longos 30 segundos na frente das câmeras de televisão e saiu. Mais tarde, explicou aos repórteres que foi de propósito para fazê-los ver “como é difícil uma mulher ficar em silêncio. É muito ruim tirar a voz de uma mulher”.

Damares queria atrair atenção para uma nova campanha publicitária de combate à violência contra as mulheres. De acordo com um comunicado divulgado por seu ministério, a ministra falou “sobre inúmeras políticas e leis voltadas às mulheres já implementadas nesta gestão”.

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A ministra da Mulher, da Família e dos Direitos Humanos, Damares Alves, durante solenidade do Dia do Enfrentamento à Violência contra a Mulher, no Palácio do Planalto, em Brasília - Pedro Ladeira - 25.nov.19/Folhapress

E, no entanto, o financiamento federal de projetos para proteger as mulheres secou desde janeiro do ano passado, quando o presidente Jair Bolsonaro assumiu. O orçamento da Secretaria de Políticas para as Mulheres, que faz parte do ministério de Damares, foi cortado em 27% em 2019, de acordo com dados obtidos pela Human Rights Watch por meio da Lei de Acesso à Informação. Além disso, dos R$ 51 milhões alocados pelo Congresso em 2019, a secretaria havia usado apenas cerca de 40% (R$ 20 milhões) em novembro.

Mais de 90% de todo o dinheiro que a secretaria gastou foi destinado à manutenção do Ligue 180, uma linha telefônica criada em 2005 por meio da qual mulheres podem denunciar atos violentos e receber informações sobre os serviços disponíveis. No entanto, o investimento do governo federal nesses serviços de atendimento foi mínimo.

Serviços de apoio adequados, que o governo federal deveria desenvolver e financiar em cooperação com autoridades municipais e estaduais, podem fazer a diferença para milhares de mulheres. Uma delas  é uma jovem de 27 anos, mãe de dois filhos, que conheci em outubro em Boa Vista, Roraima, estado com o maior índice de assassinatos de mulheres no país. Ela me contou que sofreu violência doméstica por nove anos e denunciou essa situação à polícia cinco vezes, mas “a polícia não fez nada”.

Em fevereiro, ela deixou o parceiro e foi morar com a irmã, mas o parceiro da irmã também era abusivo. Depois de dois meses fora de casa, essa mãe não conseguia encontrar um lugar seguro para morar com seus filhos. Não teve outra alternativa senão voltar com o parceiro e “à violência”, resumiu.

Em 16 de outubro, seu parceiro a espancou brutalmente na frente dos filhos. “Pensei que ia morrer”, lembrou, entre lágrimas. Desta vez, ela denunciou a agressão à polícia na Casa da Mulher Brasileira  de Boa Vista, uma instalação inaugurada em dezembro de 2018 e que possui uma delegacia da mulher, um abrigo temporário e fornece apoio psicológico, além de outros serviços especializados. Pela primeira vez essa mulher viu a polícia realmente responder à sua denúncia e procurar o agressor. Ela também obteve uma medida protetiva, que proíbe o ex-parceiro de se aproximar. E lá ficou por dois dias no abrigo temporário, onde eu a conheci.

“Esta casa é muito importante”, disse ela. “É um lugar de esperança. Eu posso deixar a violência para trás.”
Existem cinco casas semelhantes no país, incluindo uma em São Paulo que a ministra Damares inaugurou em 11 de novembro. Mas, até o começo daquele mês, o governo Bolsonaro gastou zero real dos quase R$ 13 milhões alocados pelo Congresso para construir casas adicionais em 2019, de acordo com os dados obtidos pela Human Rights Watch.

 

A campanha publicitária que Damares lançou em 25 de novembro promove o slogan: “Se uma mulher perde a voz, todas perdem”. Deveria dizer “todos perdemos”. E campanhas publicitárias são de pouca ajuda se o governo federal não investir nos serviços e políticas de que as mulheres precisam desesperadamente.

César Muñoz Acebes

Pesquisador sênior da ONG Human Rights Watch no Brasil

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