Dos equipamentos urbanos nascidos na esteira da Revolução Industrial —notadamente as fábricas, mas também os hospitais e as penitenciárias, por exemplo—, as escolas são os mais resilientes em sua concepção.
As indústrias esvaziam-se com o avanço da mecanização e da robotização. Grandes hospitais são substituídos por clínicas especializadas e pelo home care. O aprisionamento cede espaço às penas alternativas e ao monitoramento remoto. Mas as escolas continuam sendo lugar de reunião de grandes contingentes de pessoas.
Se no ensino universitário o EAD (ensino a distância) avança e evita em alguns cursos a necessidade de aglomeração em salas de aula, na educação básica tal ferramenta não é utilizada como alternativa —nem poderia ser.
A massificação da instituição escolar está ligada, historicamente, à necessidade da economia industrial por conhecimento da leitura e das operações aritméticas básicas. Daí a escola como a conhecemos: salas de aula padronizadas e transmissão de informações do professor que fala ao aluno que ouve, registra e memoriza para a prova.
Essa escolarização formal está sendo paulatina e vagarosamente substituída por outras modalidades mais significativas de aquisição do conhecimento, mas há uma aprendizagem que vem adquirindo mais valor para a sociedade contemporânea, bem mais que o mero acúmulo de informações, disponíveis em segundos no Google.
A aprendizagem mais valiosa, hoje em dia, é a da convivência, num espaço de regulação social mais amplo que o núcleo familiar.
Demanda imprevista no passado, o convívio produtivo e solidário era um pressuposto, algo a ser adquirido na sociabilidade comum das famílias numerosas, das ruas e dos demais espaços públicos, quando nestes o convívio de fato se materializava.
Essa sociabilidade espontânea vai longe de nossas crianças e jovens, confinadas dentro de casa, com medo das ruas das grandes cidades, ou sem alternativas de lazer em seus locais de moradia.
Onde esses jovens podem aprender a cooperar, ouvir os outros, trabalhar em equipe, respeitar as diferenças? O lugar é a escola.
Por isso a reunião de pessoas na instituição escolar é insubstituível. Não há ferramenta tecnológica, mecanismo digital, automação, inteligência artificial ou comunicação 5G que funcione como a escola.
Há, no entanto, inúmeros ataques a essa singular experiência de socialização que é a escolar. À defesa do "homeschooling" por grupos ideológicos e religiosos se soma, em tempos de epidemias como a do coronavírus, o embargo ao espaço da escola por razões de saúde pública.
Evidentemente, não deve haver nenhuma restrição a medidas que, em tempo adequado, possam conter contágios e proteger a população, especialmente a infantil. Mas não nos iludamos: a histeria em tempos de emergência sanitária guarda estreita relação com a ideia de que o convívio com o outro, com o diferente, é um risco a ser evitado.
Melhor seria zelar por nossos filhos no pretensamente fraterno e saudável ambiente doméstico. Ali estariam eles livres de doenças, mas também de ideias, crenças ou comportamentos distintos dos nossos.
A suposta salubridade —física e social— de lares utópicos contrasta com a insalubridade real da vida social, em que a intolerância e a violência (simbólica e material) infelizmente tornam-se cada vez mais presentes e, por que não dizer, epidêmicas.
A melhor vacina para tais epidemias é valorizar as escolas que trabalham o convívio produtivo, solidário e libertador.
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