É clichê em filmes a cena em que uma autoridade toma um carro de um cidadão em face da necessidade urgente de perseguir criminosos. O que ali ocorre tem nome e regulação jurídica: requisição administrativa.
A requisição é instrumento de pronto e inadiável atendimento a um interesse público, que se revela maior e predomina sobre a propriedade privada, cabendo ao Estado indenizar o particular, posteriormente e se o caso (artigo 5º, inciso XXV, da Constituição Federal).
A lei 13.979/2020 (alterada pela MP 926/2020), que regula as medidas para enfrentamento da emergência de saúde pública decorrente do coronavírus, prevê a possibilidade de requisição de bens e serviços no artigo 3º, inciso VII.
O instituto não é aplicável em situações normais. É a anomalia que lhe dá sustentação e ensejo —e, no ordenamento jurídico brasileiro, a anomalia é descrita como iminente perigo público.
Baseada na lei 13.979/2020, a União passou a oficiar empresas, noticiando a requisição de equipamentos médicos já produzidos e a serem produzidos, conquanto não haja sentido unívoco —na expressão "iminente perigo público" é certo que a requisição é excepcional para situações excepcionais.
Excepcionalidade significa que a requisição só terá cabida se não houver outra solução eficaz, também prevista no direito. E, para o caso, não só há uma solução jurídica eficaz como “a” solução jurídica adequada a suprir a emergência. Trata-se da compra direta emergencial da lei 13.979/2020 para aquisição de bens, serviços e insumos destinados ao enfrentamento da doença, conforme consta no artigo 4º.
Essa contratação emergencial se dá por procedimento sumaríssimo, que se ultima com extraordinária celeridade.
Quanto à disponibilidade, pelo menos não havendo recusa em vender, não há diferença entre a aquisição com dispensa de licitação e a requisição. Nas duas hipóteses se obtêm o equipamento com celeridade.
No plano financeiro, as situações se distinguem. Na contratação emergencial há compra e venda, com pagamento do valor de mercado. Na requisição há sacrifício de direito, já que o particular é despojado de seus bens, para só posteriormente ser indenizado.
Ora, se há medida que atende o interesse público e não importa em sacrifício do particular, a utilização da requisição configura ilegalidade.
A requisição de equipamentos médicos necessários aos cuidados de prevenção e tratamento da Covid-19 implica penalizar ainda mais, ilegalmente e sem necessidade, o particular que já e vítima da doença e da crise econômico-financeira que se avizinha e promete ser terrível.
Em suma, requisitar materiais e equipamentos médicos necessários aos cuidados de prevenção e tratamento da Covid-19 é o mesmo que beber água do mar para matar a sede: aparentemente sacia-se uma necessidade imediata, mas morre-se de sede na sequência.
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