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Mario D'Andrea

O neocolonialismo digital

É preciso impor responsabilidades às empresas e exigir regras de transparência

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Mario D'Andrea

Publicitário e presidente da Abap (Associação Brasileira de Agências de Publicidade)

Todos nós aprendemos e lemos muito sobre o colonialismo da época dos descobrimentos, especialmente na América Latina. No caso do Brasil, o colonialismo levou do país milhares de toneladas de ouro e muito suor (e sangue) dos brasileiros. A violência, o racismo, a tomada de terra —tudo sempre seguia uma lógica própria do dominador. Essa apropriação de recursos alheios se repetiu durante toda a história da humanidade.

A partir do século 19, a industrialização do continente europeu marcou um intenso processo de expansão econômica. O crescimento dos parques industriais levou as grandes potências econômicas a controlar e explorar regiões e países na África, Ásia e Oceania. Essa segunda onda colonialista procurava mão de obra e matéria-prima baratas.

O publicitário Mario D'Andrea, presidente da Abap (Associação Brasileira de Agências de Publicidade) - Zanone Fraissat - 9.ago.18/Folhapress

Hoje, temos claramente uma nova onda de exploração. A procura, agora, é pelos dados. Dados sobre você, sobre mim, sobre todos nós. O recurso mais precioso hoje somos nós, pessoas —e nossos hábitos, nosso jeito de pensar e agir.

Por meio do ambiente digital, empresas e plataformas procuram prever cada ato, cada gesto —e ganhar o máximo de receita com isso, com o menor custo. Segundo palavras do professor Nick Couldry, da London School of Economics & Political Science, é um modelo de negócio no qual “precisamos estar conectados porque isso significará que a publicidade pode se tornar mais pessoal... Eles sabem o que queremos”.

É o neocolonialismo digital.

Para ampliar cada vez mais esse negócio, as empresas de tecnologia se utilizam de regras e ideologias próprias —assim como no colonialismo histórico. Ninguém sabe exatamente o que acontece dentro das plataformas, ninguém as regula.

Antes de mais nada, deixemos algo muito claro: liberdade de expressão é uma coisa (sagrada, por sinal); liberdade total na comercialização de espaço é outra. Se alguém coloca dinheiro por trás de uma mensagem e outro alguém ganha dinheiro com isso, essa operação tem que seguir normas claras —como qualquer outra atividade. Não apenas normas comerciais, mas normas éticas e de conduta.

Infelizmente, não é o que vemos hoje em boa parte da publicidade digital. As grandes plataformas não se reconhecem como veículos de comunicação, por isso não seguem as leis do mercado de veículos nem de publicidade. Apesar disso, essas mesmas plataformas ganham por meio da publicidade a quase totalidade de suas receitas, como apontam seus próprios balanços. Em outras palavras: tenho corpo de cavalo, relincho feito cavalo, corro como cavalo, mas não quero ser chamado de equino. É a filosofia do bônus máximo com ônus mínimo. Exatamente como faziam os colonialistas.

É preciso lembrar a todos que existe o Código de Defesa do Consumidor, existe o Conar (Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária) e várias leis federais que regulamentam a atividade publicitária.

Muitos alegam que não há como regular o mundo digital, que é uma nova ordem econômica. Façamos uma comparação: quando o homem passou a dominar e transmitir a eletricidade, uma nova sociedade surgiu. Novos hábitos, novos meios de produção, uma total revolução econômica. No princípio, governos e sociedade não sabiam como controlar a nova dinâmica. Hoje, a geração de eletricidade é uma das áreas mais regulamentadas que existem —para o bem da própria atividade.

Cabe à sociedade, através de seus representantes e do governo, discutir e criar limites ao gigantismo digital e a esse novo colonialismo.

O economista Milton Friedman dizia que empresas existiam apenas para criar riqueza para os donos ou sócios. No mundo moderno, isso não é mais aceito. Empresas são indissociáveis da sociedade. Empresas não podem ser mais importantes do que países.

Como fazer isso? Relativamente simples. Na sua famosa carta aos clientes, Larry Fink, presidente da BlackRock (maior gestora de ativos em todo mundo), escreveu em letras capitais: “Capitalismo Responsável e Transparente”. Impor responsabilidades com o país e com o mercado e exigir regras de transparência é o que se espera.

Existe uma única atividade que foge de qualquer responsabilidade e não é nada transparente: o tráfico de drogas. Com certeza, as plataformas e seus milhares de grandes profissionais não querem estar ao lado dessa triste companhia.

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