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Ricardo Viveiros

Vacina ou remédio

Tudo ainda é duvidoso, mas o mundo ganha quando o radicalismo perde

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Ricardo Viveiros

Jornalista, professor e escritor, é doutor em educação, arte e história da cultura; autor, entre outros, de “A Vila que Descobriu o Brasil” (Geração), “Justiça Seja Feita” (Sesi-SP) e “Memórias de um Tempo Obscuro” (Contexto)

Mais cedo do que se esperava, embora ainda não encerradas oficialmente as apurações, a imprensa mundial, diante dos números, anunciou que o novo presidente dos EUA é Joe Biden. Há também incertezas quanto ao Senado e à Câmara de Representantes, havendo tendência de maioria republicana no primeiro e democrata no segundo Parlamento.

A eleição foi muito acirrada, e haverá demora pelas medidas judiciais de republicanos inconformados. Tudo isso vai seguir alimentando por mais alguns dias a tensão e o debate, com mútuas acusações, nesta que já é a maior disputa eleitoral de todos os tempos em um país que detém, pelo bem e pelo mal, as atenções do planeta.

O jornalista e escritor Ricardo Viveiros na cerimônia de premiação anual da ABCA (Associação Brasileira dos Críticos de Arte), em São Paulo - Lela Beltrão - 1º.jun.16/Folhapress

Donald Trump será descartado junto com os votos já contados? Talvez não. É possível que o movimento nacionalista e radical gerado por ele siga em frente sob sua liderança. O derrotado deverá promover forte oposição aos democratas, como eles não souberam fazer ao seu governo. Em décadas nenhum presidente americano, ao disputar uma reeleição, havia buscado desqualificar o processo popular de escolha. E Trump fez isso previamente, desde bem antes das eleições.

Deixou claro seu desrespeito à democracia. Dividiu o país. Fez lá o que aconteceu aqui, com Jair Bolsonaro, quando se lançou candidato defendendo apenas o "nós contra eles". E a sociedade entendeu que deveria optar por um lado e radicalizou. Esse tipo de “cultura do ódio”, alimentada nas mídias sociais pelas fakes news, fragiliza a democracia. Dividir não soma, a matemática é ciência exata.

Democracia só existe, é real e produtiva com a independência dos três Poderes, com a garantia de igualdade e liberdade de todos perante as leis. Com os direitos constitucionais resguardados.

Governantes são funcionários públicos. Servidores à sociedade, gestores de todos, e não apenas dos que neles votaram. Assim, não podem tomar decisões ao seu bel-prazer, ao interesse deles próprios e dos que os apoiam. Mesmo quando eleitos por expressiva maioria de votos. Não podem pretender aplausos da mídia, porque ela existe para governados, e não para governantes.

Trump decepcionou muitos cidadãos dos EUA, democratas e republicanos, acima de tudo por ter tomado decisões pessoais e ideológicas na pandemia de Covid-19. E fundamentadas em questionáveis crenças, em supostas teorias conspiratórias, e não em fatos cientificamente comprovados. Conduziu as ações de governo, na grave crise sanitária, sob populismo autoritário e inconsequente. Milhares de pessoas morreram, outras tantas ficaram com sequelas. E o risco continua, sem vacina e sem remédio. Também ignorou a pauta do racismo, deu a entender que não há problemas climáticos e tropeçou nas relações internacionais. Mandou muito mal, como dizem os jovens.

Embora Trump possa não desaparecer com a vacina do voto, qual será sua imagem doravante? Qual o remédio usará para se manter vivo como líder? E Bolsonaro, que o tem como ídolo, sofrerá as consequências de uma morte política?

Embora tudo ainda pareça duvidoso, é certo que o mundo ganha quando o radicalismo perde.

TENDÊNCIAS / DEBATES
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