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Alexandre Andrada

Jornalismo ou linchamento?

Sem a devida grandeza, Folha preferiu ser partícipe da injustiça que enfrento

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Alexandre Andrada

Professor de economia da UnB

Na edição do dia 28 de novembro, esta Folha cometeu uma temeridade. Publicou uma informação grave e inverídica a meu respeito, num texto tendencioso, cujo conteúdo foi manipulado pela respectiva fonte (“Sem investigação aprofundada, acusação de estupro de jornalista é arquivada”; 28.nov.20).

Com base numa denúncia há meses arquivada pelo Ministério Público, publicou-se uma “reportagem” sugerindo ser eu um criminoso sexual, livre graças a uma investigação precária. Apesar da decisão da Justiça, apesar do completo desconhecimento dos autos, e sem nem mesmo mesmo entrar em contato comigo para ouvir minha versão, o maior jornal do país achou razoável associar meu nome a um crime hediondo, destroçando minha honra e colocando minha vida em risco.

Em 6 de outubro de 2019, um domingo, Amanda Audi, jornalista do site The Intercept Brasil, registrou uma ocorrência contra mim por um suposto crime sexual ocorrido em seu apartamento, uma semana antes. Fábio Pupo, jornalista da Folha, amigo e vizinho dela, disse no Twitter que, naquela mesma noite, enviou-lhe uma mensagem para saber como estava, mas era “tarde demais”, sugerindo que ela já se sabia “violentada”. Apesar disso, ninguém ligou para o 190 ou foi à delegacia.

Dois dias depois, Amanda me envia mensagem dizendo que avisara “Rafa (Rafael Moro) e a chefia” do Intercept. Causou espanto ao MP que sua primeira preocupação tenha sido avisar o site, e não a polícia. Nesse mesmo dia, Amanda foi a um bar em Curitiba. Aparece em foto com amigas, sorrindo. Pelo Twitter, trocou mensagens amistosas, cheias de risos e chistes com os colegas. No sábado, outra foto: sorridente, à beira do lago Paranoá, exibindo sua nova bicicleta. A Delegacia da Mulher dista 5 km dali, mas Amanda e ​Pupo não passaram por lá.

Na segunda-feira, uma editora do Intercept me telefona, dizendo “você está fora”. Aceitei. Pedi a ela o benefício da dúvida, ao que ela respondeu: “Quem te conhece tem dúvida sim”. Ela também revelou que Amanda “não parecia mal” quando contou a história aos chefes. Deve ser verdade, pois, enquanto essa conversa ocorria, Amanda postava outra foto, mostrando os machucados resultantes de uma queda, fazendo troça com seu infortúnio.

Na “reportagem” da Folha, Amanda reclama que as testemunhas não foram ouvidas. A jornalista só omitiu um detalhe: ela não apontou nenhuma testemunha em seu depoimento —fui eu quem citou Rafael Moro, Fábio Pupo e Rafael Neves (outro jornalista do Intercept).

Em julho deste ano, o MP arquivou o inquérito, dizendo não encontrar ali qualquer traço de crime que pudesse dar início a um processo, usando até mesmo as mensagens que Amanda apresentou para me incriminar como base para sua decisão.

Dois meses depois —e dois dias após ser acusada de racista—, Amanda compartilha no Twitter a notícia do arquivamento. Comentei a coincidência temporal com a editora do Intercept, perguntei se aquilo não lhe acendia uma luz amarela. Ela concordou.

Insatisfeita com a Justiça e surfando no caso Mariana Ferrer, Amanda me chama de “estuprador” no Twitter no dia 3 de novembro. Consegui uma liminar para retirar o post do ar. Mesmo assim sua “denúncia” foi publicada em diversos veículos. Muitos deles, ao serem informados da situação jurídica do caso através de notificação de meus advogados, decidiram retirar as matérias do ar.

A Folha, porém, não teve a mesma grandeza, preferiu ser partícipe do linchamento que atravesso. Que essa mancha fique para sempre em sua história.

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