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Wagner Miquéias F. Damasceno

Não, o capitalismo não pode ser antirracista

Modelo hegemônico foi erigido com base na escravidão de negros e outros povos

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Wagner Miquéias F. Damasceno

Doutor em Sociologia pela Unicamp, é professor na Unirio e autor de "Racismo, Escravidão e Capitalismo no Brasil: Uma Abordagem Marxista"

O capitalismo não pode ser antirracista, pois há um vínculo profundo entre ele, a escravidão e o racismo ("O capitalismo pode ser antirracista"; 24.nov.20).

Marx explicou que, para se desenvolver, o capitalismo precisou de quatro alavancas: 1) a expropriação no campo, concentrando terras e expulsando uma massa despossuída para as cidades; 2) a colonização, com extermínio de indígenas e pilhagem de minérios, da flora e fauna das colônias; 3) a escravidão, com o tráfico de escravizados e com o uso de sua força de trabalho nas colônias; e 4) o endividamento público dos Estados nacionais, com empréstimos convertidos em dívida pública.

Assim, o roubo de terras, o genocídio, a pilhagem, a escravidão, o estupro, a especulação e a destruição foram as grandes parteiras do capitalismo. Negar isso é uma espécie de "terraplanismo historiográfico".

Em segundo lugar, foi a escravidão que produziu o racismo. Como explicou o historiador negro Eric Williams (1911-1981), o racismo foi uma racionalização posterior para justificar a opção econômica por uma mão de obra escrava mais produtiva e barata: a negra.

Séculos depois, a escravidão passou de alavanca a obstáculo: tornara-se mais barato e produtivo explorar proletários pagando salários de fome.

Sim, o capitalismo desenvolveu a produção. O problema é que a riqueza produzida socialmente pelos trabalhadores é apropriada por um punhado de capitalistas que, de quebra, criam um mercado anárquico com excesso de mercadorias supérfluas e escassez de tantas outras necessárias. O resultado? Crises cada vez mais profundas e o aumento da desigualdade. Segundo relatório da Oxfam, os 22 homens mais ricos do mundo possuem uma riqueza superior a de todas as mulheres da África!

A escravidão negra acabou, mas o racismo continua porque, além de dividir os trabalhadores, através dele os capitalistas pagam salários mais baixos para os negros. É o que revela estudo do IBGE, de 2019: brancos recebem em média R$ 2.796, e negros, R$ 1.608. Além disso, a taxa de desemprego de negros é quase o dobro do que a de brancos. Essa massa desempregada inflada pelo racismo também rebaixa o salário de toda a classe.

Em troca, o trabalhador branco recebe um "salário psicológico" que cria a ilusão de que faz parte do grupo dominante. Romper com esse “transe ideológico” dentre os trabalhadores é fundamental na luta contra o racismo.

Também vale lembrar que nenhum direito é duradouro no capitalismo. Vimos isso com as recentes reformas que retiraram vários direitos sensíveis aos negros.

O capitalismo jamais será nosso aliado e agora tende a abandonar o velho discurso da "democracia racial" e apelar cada vez mais ao racismo escancarado e violento.

Por isso, a luta contra o racismo precisa se combinar com a luta contra o capitalismo e deve ser travada pelos trabalhadores. O que inclui asiáticos, brancos e indígenas, tendo os negros na linha de frente.

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