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Autonomia do médico deve respeitar a ciência

É inaceitável estimular o uso de drogas comprovadamente ineficazes

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Foi com tristeza e estupefação que lemos o artigo do presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM), Mauro Luiz de Britto Ribeiro, publicado nesta Folha (“O Conselho Federal de Medicina e a Covid-19; 25.jan.2021). Seu objetivo parece ser defender a entidade dos abaixo-assinados de diversos grupos de médicos, que exigem a condenação explícita do “tratamento precoce” da Covid-19, em particular com a hidroxicloroquina. Ele incorre em três erros gravíssimos: primeiramente, atribui a uma suposta atitude crítica ao presidente da República, Jair Bolsonaro, a oposição ao uso da droga.

O segundo equívoco é a afirmação de não haver na literatura definição quanto à eficácia do remédio. Porém, há muitos meses os resultados de todos os estudos clínicos randomizados controlados (o padrão ouro), com poder estatístico adequado, chegaram ao mesmo resultado: a ineficácia da hidroxicloroquina. Foi assim com o Recovery, realizado no Reino Unido e organizado pela Universidade de Oxford; com o Solidarity, conduzido em vários países, incluindo o Brasil, coordenado pela Organização Mundial da Saúde (OMS); e no A5395, nos Estados Unidos, desenvolvido pelo National Institutes of Health. Nos três, foram incluídos aproximadamente 10 mil pacientes, desde casos muito leves até gravíssimos. Além de ineficaz, a hidroxicloroquina associou-se com maior frequência a eventos adversos e, em alguns subgrupos, com pior prognóstico.

O presidente Jair Bolsonaro exibe caixa de cloroquina em cerimônia em Brasília - Adriano Machado - 16.set.20/Folhapress

O terceiro e mais grave erro é alegar a autonomia do médico para prescrever, visando justificar a omissão do CFM. O Código de Ética Médica é explícito ao afirmar, em seu artigo 113, ser vedado ao médico “divulgar, fora do meio científico, processo de tratamento ou descoberta cujo valor ainda não esteja expressamente reconhecido cientificamente por órgão competente”.

As recomendações para tratamento da Covid-19 das sociedades científicas internacionais são unanimemente contrárias ao uso de hidroxicloroquina. Com certeza, os membros dos comitês que as escreveram não estavam pensando nas disputas entre apoiadores e críticos do presidente da República do Brasil.

Em sua nota, dr. Britto busca desqualificar profissionais não médicos que opinam sobre a interpretação de estudos clínicos. Ele parece ignorar que numerosos farmacêuticos, biólogos, estatísticos e enfermeiros, dentre outros, participam da elaboração dos trabalhos. Portanto, estão qualificados, sim, para interpretar os resultados.

Assim, já passa da hora de dr. Britto separar a ciência da política. É inaceitável que, com mais de mil mortes por dia no Brasil, o CFM permita que médicos sigam estimulando na mídia o uso de drogas comprovadamente ineficazes (hidroxicloroquina) ou de eficácia não comprovada, como ivermectina e nitazoxanida.

Celso Ferreira Ramos Filho
Infectologista

Cláudio Tadeu Daniel-Ribeiro
Imunoparasitologista

José Gomes Temporão
Sanitarista

Margareth Dalcolmo
Pneumologista

Mauro Schechter
Infectologista

Patrícia Brasil
Infectologista

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