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Vício boliviano

Recorrente no país vizinho, perseguição judicial a adversários volta à cena

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Protesto em Santa Cruz, na Bolívia, contra a prisão da ex-presidente interina Jeanine Añez - Lesly Moyano/Reuters

Depois de uma crise social e política que se estendeu por um ano, a Bolívia teve nas eleições presidenciais de outubro de 2020 —um pleito limpo e cujo resultado foi reconhecido por todos os envolvidos no processo— uma chance de superar os fantasmas do passado.

O vencedor, Luis Arce, assumiu com um discurso conciliador, afirmando que seu partido, o MAS, havia aprendido com a experiência pregressa e que buscaria corrigir os erros na nova administração.

Tais esperanças, contudo, começaram a cair por terra com as prisões da ex-presidente Jeanine Añez e de outras autoridades do antigo governo interino do país, que levantaram a suspeita de uso da Justiça como instrumento de perseguição a adversários políticos.

Añez, recorde-se, chegou à Presidência após a deposição de Evo Morales em 2019 utilizando procedimento não previsto na Constituição. Várias lideranças desse processo são agora acusadas de sedição, terrorismo e conspiração.

Imputações dessa natureza não são incomuns na história da Bolívia. Como observou a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, constata-se ali uma recorrência de denúncias de atos de perseguição judicial de opositores em diferentes administrações.

Durante o governo de Añez, por exemplo, foram instaurados processos contra Evo e outros nomes do MAS por terrorismo e sedição. Os acusadores de ontem tornam-se agora alvo das mesmas acusações.

A entidade multilateral aponta ainda que tais tipos penais estão sob análise do Tribunal Constitucional do país desde que a bancada do MAS apresentou, em junho do ano passado, uma ação contra os artigos do Código Penal boliviano que tratam desses crimes.

Já o diretor para as Américas da ONG Human Rights Watch, José Miguel Vivanco, ressalta que as ordens de prisão contra Añez e seus ministros “não contêm nenhuma evidência de que tenham cometido o delito de terrorismo”.

Malgrado os potenciais vícios do processo, as violações de direitos humanos ocorridas na repressão a protestos contra a saída de Evo, que deixaram dezenas de mortos, precisam de fato ser investigadas.

Para isso, entretanto, a Justiça boliviana precisará desempenhar um papel que não exerce há muito —o de atuar de forma imparcial, independente e segundo os princípios do Estado democrático de Direito.

editoriais@grupofolha.com.br

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