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José Manuel Diogo

Um dia, a nossa língua ainda vai ser

O que mais falta ao português é ambição para querer ser marca do futuro

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José Manuel Diogo

Empresário e especialista em Intelligence, é fundador da Associação Portugal-Brasil 200 anos

A língua roça, mas não decola. Canta, mas nem sempre encanta! Manda, mas não sai do papel. Ferve, mas muitas vezes se evapora em inglesismos e outras conspirações menores.

Mas a nossa língua se entende (e se explica) onde melhor flui: no coração dos falantes, que, uma vez por ano, a celebram juntos, num belo, estranho —e descapitalizado— triunfo setentrional.

Porque a nossa língua ama, mas nem sempre beija. Ela prova e se aleija. Fala, mas mais cala. A nossa língua, mais celebrada que forte, é uma potência ainda por “engenheirar”.

Portuguesa e capital. Brasileira, imortal. Dos cinco continentes, de todos os oceanos. A nossa língua vem de um passado onde permanece —como nenhuma outra conseguiu permanecer— até o futuro, onde continua a se expandir descoordenadamente na diáspora mais palpitante, pacífica e demorada da história.

A língua portuguesa não é apenas mais um instrumento de comunicação, ela poderia ser uma plataforma de futuro. Porque, sendo tensão e tesão, proximidade e inclusão, ela não se atina, não se afina. Se não desenhar seu mapa da cultura, nunca vai nos trazer grana pura.

A língua é uma, mas não é una. É portuguesa, mas não é mais de Portugal. A língua é de falantes que não têm geografia. Nem noite, nem dia. É de muitos meridianos sem paralelo. De mundos coincidentes, “teimantes” em não se cruzar.

A língua é dos negócios, mas é mais de afetos. Sofre tanto no rigor das pautas aduaneiras como se alegra muito nos versos de poetas analfabetos. Ela se contorce no "trade" com os mares da China, mas logo rejuvenesce numa roda de samba, num gole de caipirinha. Prefere os amantes sem dinheiro. Odeia o Rockefeller, mas ama o Santeiro.

A nossa língua é afiada e agiota. É calada e poliglota (mesmo dentro da mesma língua), como o embaixador de Portugal, Luís Faro Ramos, escrevia no Correio Brasiliense, citando Vinícius Terra do lado de Dino D’Santiago e de Sara Correia. “Meu bairro, minha língua” —embaixador, é a terra inteira!

Porque a língua tem de ser grana. Dinheiro. Cumbu, dindim, bom mealheiro. Vil metal, muita massa. Papel-moeda, capim, tutu, pila e prata. Não é só chamego e chorinho. Coitadinha e coitadinho. Riqueza!

Tá certo, a língua é primeiro poesia, mas a fila nunca anda e a vida logo passa. É preciso encontrar maiores caminhos nas baladas e nos fados, e em outros lugares lucrativos, mesmo que inesperados.

A língua e a grana andam juntas em cada “padoca” de São Paulo. Na belezura do Rio. No "tri relax" do outro "Rio mais ao Sul". Caminha lado a lado em cada lado do mar, nas empresas de Luanda, em Angola, nas reservas de Maputo, em Moçambique, das praias da Praia, em Cabo Verde, no petróleo de Díli, em Timor-Leste, e em outros milhares de oportunidades que no mundo inteiro falam português.

A língua tem de bazar só do verso, ser dos negócios em rede, de tuítes multioceânicos, de universidades globais, das conquistas do futuro. Ser da inovação e dos investimentos globais.

O que mais falta à nossa língua é ambição para querer ser marca do futuro. Ambição para poder explicar ao mundo, sem equívoco —ou demora—, que América, Europa, África e Oceania estão tão unidas por Camões e Caetano como pelo comércio e pelos negócios.

Um dia a nossa língua vai ser assim. Até porque, como escreveu Eça de Queiroz, “a luta pelo dinheiro é santa, porque ela é, no fundo, a luta pela liberdade".

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