Em seu clássico “Geografia da Fome” (1946), o eminente cientista pernambucano Josué de Castro descreveu claramente o pobre conteúdo proteico da mandioca, que é o principal alimento de todo o Norte e Nordeste do país. Castro revelou que essa cultura que alimenta mais de 100 milhões de brasileiros —e 1 bilhão de pessoas na América Latina, Ásia e África— é extremamente pobre em proteína: não ultrapassa 1% de suas raízes comestíveis.
O pesquisador observou ainda que a cultura fornece mais de 80% das calorias diárias consumidas por nortistas e nordestinos. A falta de proteína pode provocar graves doenças em recém-nascidos e crianças, como fibrose nos pulmões e no fígado, e afetar até o cérebro.
Castro sugeriu juntar o feijão à mandioca para compensar a falta de proteína. Durante o nosso programa de pesquisa, conseguimos cultivar variedades do alimento, elevando o conteúdo proteico para até 4% —o que ainda é longe do suficiente para as necessidades humanas.
A análise das folhas da mesma cultura, porém, mostrou que o nível de proteína chegava a 32%. A adição de farinha produzida a partir das folhas à farinha de mandioca tradicional, na proporção de 20%, aumenta a proteína na mistura em até 8% —isso é pouco mais do que os 7% encontrados no trigo e no arroz.
Essa adição não implica alta de custos ao consumo diário da mandioca, pois suas folhas não são utilizadas pelos agricultores, sendo normalmente dispensadas.
Além de adultos, a solução beneficiaria principalmente mais de 20 milhões de crianças e recém-nascidos, que são mais afetados e vulneráveis pelo desequilíbrio nutricional. Eles vivem abaixo da linha da pobreza e são os que mais sofrem com a falta de proteína —elemento nutricional básico e essencial para um crescimento sadio físico e mental.
Nessa fase de crescimento, a merenda escolar, como alimentação básica, tem um papel essencial para a formação dos futuros cidadãos.
A refeição equilibrada acima mencionada garante a qualidade necessária para um crescimento saudável. Ao mesmo tempo, é economicamente disponível e está ao alcance orçamentário de estados e municípios.
Como se trata de uma ideia nova, que deve ser levada à atenção do governo federal como forma de convencê-lo em razão da fácil disponibilidade e aplicação, a nossa fundação financiou com sucesso experiências em Mato Grosso e no Paraná —um exemplo para outros estados e para a própria União.
Ampliar a atenção nacional para o assunto é relevante não apenas para atingir mais regiões, mas também para divulgar a técnica e o método inovadores que enriquecem e equilibram a dieta popular, cujo conteúdo insuficiente afeta uma grande parcela de brasileiros.
Com os novos conhecimentos e as novas aplicações, Josué de Castro, se vivo estivesse, poderia rever o seu conceito elaborado nos anos 1950, pois não imaginava que havia proteína abundante nas folhas da mandioca.
Além de comida balanceada, poderemos fornecer às regiões Norte e Nordeste variedades melhoradas com produtividade triplicada. O aumento da produtividade dessa cultura alimentícia deveria ser prioridade máxima no nosso país.
Tamanho volume foi e ainda pode ser alcançado pelo aproveitamento da potencialidade genética da cultura. A média atual de produtividade, no Brasil e no mundo, é de 14 toneladas por hectare. As variedades melhoradas podem chegar a produzir 120 toneladas por hectare.
O aproveitamento da rica biodiversidade brasileira permitiria o plantio em terras áridas, ainda não cultiváveis, e o desenvolvimento de variedades ricas do precursor vitamínico betacaroteno (em até oito vezes mais) e outras variedades mais adaptadas a condições ambientais severas.
TENDÊNCIAS / DEBATES
Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do jornal. Sua publicação obedece ao propósito de estimular o debate dos problemas brasileiros e mundiais e de refletir as diversas tendências do pensamento contemporâneo.
Comentários
Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.