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Nagib Nassar

'Geografia da Fome': uma nova visão

Incremento de proteína à mandioca pode mitigar o desequilíbrio nutricional

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Nagib Nassar

Professor e pesquisador emérito da UnB, é presidente e fundador da Funagib (Fundação Nagib Nassar para Desenvolvimento Científico e Sustentável)

Em seu clássico “Geografia da Fome” (1946), o eminente cientista pernambucano Josué de Castro descreveu claramente o pobre conteúdo proteico da mandioca, que é o principal alimento de todo o Norte e Nordeste do país. Castro revelou que essa cultura que alimenta mais de 100 milhões de brasileiros —e 1 bilhão de pessoas na América Latina, Ásia e África— é extremamente pobre em proteína: não ultrapassa 1% de suas raízes comestíveis.

O pesquisador observou ainda que a cultura fornece mais de 80% das calorias diárias consumidas por nortistas e nordestinos. A falta de proteína pode provocar graves doenças em recém-nascidos e crianças, como fibrose nos pulmões e no fígado, e afetar até o cérebro.

O professor e cientista Nagib Nassar em área de pesquisas sobre o cultivo da mandioca, em Brasília - Pedro Ladeira - 2.jul.14/Folhapress

Castro sugeriu juntar o feijão à mandioca para compensar a falta de proteína. Durante o nosso programa de pesquisa, conseguimos cultivar variedades do alimento, elevando o conteúdo proteico para até 4% —o que ainda é longe do suficiente para as necessidades humanas.

A análise das folhas da mesma cultura, porém, mostrou que o nível de proteína chegava a 32%. A adição de farinha produzida a partir das folhas à farinha de mandioca tradicional, na proporção de 20%, aumenta a proteína na mistura em até 8% —isso é pouco mais do que os 7% encontrados no trigo e no arroz.

Essa adição não implica alta de custos ao consumo diário da mandioca, pois suas folhas não são utilizadas pelos agricultores, sendo normalmente dispensadas.

Além de adultos, a solução beneficiaria principalmente mais de 20 milhões de crianças e recém-nascidos, que são mais afetados e vulneráveis pelo desequilíbrio nutricional. Eles vivem abaixo da linha da pobreza e são os que mais sofrem com a falta de proteína —elemento nutricional básico e essencial para um crescimento sadio físico e mental.

Nessa fase de crescimento, a merenda escolar, como alimentação básica, tem um papel essencial para a formação dos futuros cidadãos.

A refeição equilibrada acima mencionada garante a qualidade necessária para um crescimento saudável. Ao mesmo tempo, é economicamente disponível e está ao alcance orçamentário de estados e municípios.

Como se trata de uma ideia nova, que deve ser levada à atenção do governo federal como forma de convencê-lo em razão da fácil disponibilidade e aplicação, a nossa fundação financiou com sucesso experiências em Mato Grosso e no Paraná —​um exemplo para outros estados e para a própria União.

Ampliar a atenção nacional para o assunto é relevante não apenas para atingir mais regiões, mas também para divulgar a técnica e o método inovadores que enriquecem e equilibram a dieta popular, cujo conteúdo insuficiente afeta uma grande parcela de brasileiros.

Com os novos conhecimentos e as novas aplicações, Josué de Castro, se vivo estivesse, poderia rever o seu conceito elaborado nos anos 1950, pois não imaginava que havia proteína abundante nas folhas da mandioca.

Além de comida balanceada, poderemos fornecer às regiões Norte e Nordeste variedades melhoradas com produtividade triplicada. O aumento da produtividade dessa cultura alimentícia deveria ser prioridade máxima no nosso país.

Tamanho volume foi e ainda pode ser alcançado pelo aproveitamento da potencialidade genética da cultura. A média atual de produtividade, no Brasil e no mundo, é de 14 toneladas por hectare. As variedades melhoradas podem chegar a produzir 120 toneladas por hectare.

O aproveitamento da rica biodiversidade brasileira permitiria o plantio em terras áridas, ainda não cultiváveis, e o desenvolvimento de variedades ricas do precursor vitamínico betacaroteno (em até oito vezes mais) e outras variedades mais adaptadas a condições ambientais severas.

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