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Carlos Eugênio Lopes

Assédio na CBF mostra roteiro de show de relações públicas

Dizer que entidade não tem normas para afastar Rogério Caboclo é exercício de retórica

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Carlos Eugênio Lopes

Vice-presidente jurídico da CBF

Frequentemente, lemos no noticiário que empresas grandes e sérias têm atuado cada vez mais fortemente em políticas afirmativas de combate ao assédio no ambiente de trabalho. Chefes acusados de assédio são demitidos, afastados pelas regras do compliance, termo que significa conformidade.

Conformidade com o quê? Com princípios e valores éticos com que uma entidade precisa estar comprometida, entre os quais está o repúdio a qualquer tipo de violência contra qualquer gênero.

Dizer que a Confederação Brasileira de Futebol não tem normas que justifiquem o afastamento de seu presidente acusado de assédio, com gravações feitas pela vítima, mulher, funcionária e subordinada, é um exercício de retórica, mas pouco além disso.

Vamos por apenas um segundo imaginar o que aconteceria se o presidente Rogério Caboclo não tivesse sido afastado pelo compliance da CBF. Os patrocinadores, cujos respectivos compliances abominam assédios, seriam obrigados a romper os patrocínios às seleções brasileiras. Aliás, eles anunciaram isso. A CBF iria à falência.

A instituição ficaria refém de uma associação negativa por tempo indeterminado devido a um problema pessoal? Os funcionários estariam blindados de coações tendo no topo alguém com esse tipo de pendência? Seria justo um chefe usar todos os seus recursos e poder —até seu avião executivo— para se defender das acusações feitas por uma subordinada? Em que outra companhia privada tal situação seria possível? Em nenhuma.

A rigor, o presidente afastado tem conduzido o assédio na CBF muito mais como uma querela política e uma batalha de relações públicas do que como uma genuína defesa da única questão que importa: o assédio no ambiente de trabalho, denunciado por uma subordinada de seu superior hierárquico e maquiado agora como “palavras indevidas”. Retórica, mas pouco além disso.

O fato é que desde que começou o que querem chamar de “caso CBF”, nessa pasteurização bastante conveniente para —mais uma vez— maquiar o debate, o que se viu foi mais relações públicas e menos explicação. De repente, pipocam na mídia pirotecnicamente quatro vídeos contra um ex-presidente da entidade. O que isso tem a ver com assédio? Nada. Mas é uma tentativa de “politizar” o “caso”. E o assédio? São “conversas inadequadas”.

Noutra hora, uma “carta” às federações. O teor? Ataques políticos, autoelogios e... assédio? Nada! Depor na Comissão de Ética? Na última hora, a “vítima” (no caso o presidente afastado por assédio) “denuncia” a parcialidade do colegiado que vai lhe julgar e não comparece. Problema do factoide: meses antes, o mesmo Caboclo havia posado para foto com o presidente da comissão, conferindo-lhe um diploma de “louvor”.

Na batalha de relações públicas criada pela narrativa do presidente da CBF, ele é a vítima, não a funcionária que o acusa (com elementos probatórios sólidos) de assédio. Ele é a vítima, não a entidade que presidiu e cuja reputação manchou com sua conduta pessoal. Como ele é a vítima sempre, nunca pede desculpas, nunca diz que errou, nunca se arrepende.

​Mas o assédio na CBF não é um show de relações públicas. É um caso sério, que deve e será tratado com seriedade, e em que só há uma vítima: aqueles que denunciam o assédio que sofreram.

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