Destruir estátuas e símbolos de adoração é uma prática tão antiga quanto erigi-los. Há registros de monumentos de reis mesopotâmicos, de 2.700 a.C., com inscrições que anunciavam desgraças e maldições para quem se rebelasse contra as imagens: uma certa tentativa esotérica de prevenção do vandalismo.
Ameaças de pragas e infortúnios há tempos foram substituídas pela promessa da mão pesada da lei. Ainda assim, antes e agora, o risco de sanções mostra-se incapaz de conter a depredação como arma de protesto.
O desejo de se rebelar, ainda que simbolicamente, contra o que é percebido como violência moral —o destaque ocupado no espaço público por figuras associadas a atos de barbárie— parece se sobrepor ao temor das consequências.
Ocorridos com 15 dias de diferença, o incêndio na estátua do bandeirante Borba Gato, no Brasil, e a pichação no Padrão dos Descobrimentos, monumento que homenageia figuras centrais da colonização em Portugal, reacenderam o debate sobre o tema nos dois países.
Enquanto os bandeirantes foram cuidadosamente moldados para representar a bravura do povo do Brasil, os protagonistas da Era das Navegações são referência da identidade portuguesa.
Dos dois lados do Atlântico, as ditaduras trataram de incensar versões sanitizadas da história com o propósito de exaltar esses representantes, capitalizando um ideal coletivo de glórias inconfundíveis.
Governantes democráticos, tanto brasileiros quanto portugueses, têm mostrado muito menos disposição para discutir o significado de ter o espaço público coalhado de representações em que o ufanismo é indissociável da violência.
Classificar de revisionismo histórico qualquer tentativa de mudança é ignorar o dilema moral latente nos símbolos nacionais. Se o assunto só for motivo de análise no calor de atos de vandalismo, jamais conseguiremos imprimir a racionalidade e o pluralismo essenciais para um debate equilibrado.
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