O Supremo Tribunal Federal marcou para esta quarta-feira (25) julgamento que afeta diretamente o processo de demarcação de terras indígenas no país —trata-se do chamado “marco temporal”.
A tese surgiu em 2008, no voto do ministro Carlos Alberto Menezes Direito sobre a homologação da terra Raposa-Serra do Sol, cobiçada por arrozeiros. De acordo com a interpretação, os povos teriam de estar de posse do território em 1988, quando a Constituição foi promulgada, para vê-lo reconhecido pelo Estado.
Não é trivial conciliar tal visão com o artigo 231 da Carta: “São reconhecidos aos índios sua organização social, costumes, línguas, crenças e tradições, e os direitos originários sobre as terras que tradicionalmente ocupam, competindo à União demarcá-las, proteger e fazer respeitar todos os seus bens”.
A referência a “direitos originários” está no centro da controvérsia. Daí se depreenderia que ao poder público cabe só a missão administrativa de atribuir formalmente aos primeiros povos do Brasil o direito às terras que sempre lhes pertenceu, por portaria do Ministério da Justiça (processo paralisado por Jair Bolsonaro).
Essa leitura guarda implicações em potencial para a situação das propriedades rurais brasileiras. Já com o marco temporal, as demarcações ficariam condicionadas à real ocupação da área 488 anos depois da chegada dos europeus.
No governo Michel Temer, a Advocacia-Geral da União acolheu a tese do marco, em julho de 2017, no parecer 001; em 28 meses na Presidência, Temer declarou só três terras indígenas e homologou uma.
Tramita no Congresso, ainda, o projeto de lei 490/2007, aprovado na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara dos Deputados em junho e pronto para voto em plenário. Aprovada, a legislação consagraria o marco temporal.
Não, porém, se o STF der agora ganho de causa para os povos Xokleng, Kaingang e Guarani que pedem reintegração de posse da terra Ibirama-La Klãnõ (SC).
Em 2019 o caso foi declarado de repercussão geral: o que a corte decidir valerá para todo procedimento de demarcação e norteará futuros julgamentos de constitucionalidade sobre atos e normas que conflitem com a decisão.
O desafio será evitar que se consolidem injustiças cometidas contra etnias que tiveram terras tomadas, sem deixar de atentar para garantias aos proprietários de boa-fé.
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