Do Vlora ao Afeganistão, 30 anos de desespero em massa

Tomada do país pelo Talibã pode levar à repetição da tragédia dos albaneses em 1991

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Michele Oliveira

Jornalista, trabalhou na Folha de 2002 a 2013 e desde 2018 vive e trabalha em Milão.

Trinta anos separam as cenas de afegãos no aeroporto de Cabul, perseguindo e escalando aeronaves, e mães, do lado de fora, tentando entregar sobre o muro seus filhos, de outro episódio de desespero em massa.

Criança é entregue a soldado que está no aeroporto de Cabul - Reprodução

Em agosto de 1991, cerca de 20 mil albaneses, fugindo da crise pós-comunismo, invadiram o navio de carga Vlora no porto de Durres, se atirando nas águas e subindo pelas cordas, para obrigar o comandante a seguir rumo à Itália. Após mais de 30 horas a bordo, sem comida ou água, desembarcaram em Bari, para espanto de autoridades despreparadas.

As imagens feitas pelos fotógrafos Lorenzo Turi e Vittorio Arcieri se tornaram um símbolo dos movimentos migratórios. Na Itália, o caso Vlora significa um marco: foi o início, no imaginário nacional, da representação do estrangeiro como ameaça. Um tema ainda bastante presente no debate público, realimentado desde 2014 pela crise no Mediterrâneo.

A Itália é hoje o principal destino dos que navegam ali e, desde janeiro, recebeu 62% dos 54 mil imigrantes e refugiados que desembarcaram no sul europeu.

A tomada do Afeganistão pelo Talibã incandesceu a discussão. De um lado, figuras da centro-esquerda, como Enrico Letta (Partido Democrático), que pede um corredor humanitário para os refugiados. De outro, Matteo Salvini (Liga), da ultradireita, que, em um de seus temas preferidos, se disse contra portas abertas a “potenciais terroristas”.

Ambos fazem parte da coalizão que sustenta o premiê Mario Draghi, pressionado a manter seu protagonismo na União Europeia, conquistado na gestão da crise sanitária e da recuperação econômica. A Itália preside o G20 neste ano e, no próximo, assume papel central na missão da Otan no Iraque.

Ainda é incerto como será o movimento de refugiados do Afeganistão na Europa, mas 30 anos depois dos albaneses do navio Vlora, a Itália tem duas boas oportunidades: propiciar um acolhimento menos improvisado e rejeitar uma nova instrumentalização política do tema imigração.

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