Das muitas perguntas ainda não respondidas sobre as suspeitas de uma atuação imoral que pairam sobre a operadora de saúde Prevent Senior, há duas especialmente urgentes: se a ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) recebeu denúncias, o que fez pelos usuários ao longo do tempo e, mais, o que o órgão pode e deve fazer agora para garantir segurança e qualidade no atendimento?
A pergunta não é trivial e passa pelo resgate das responsabilidades da agência, que foi criada em 1998 para regular o mercado de saúde suplementar e proteger os consumidores de práticas abusivas por parte das empresas. Claramente, não foi o que aconteceu. A divulgação de novos relatos e detalhes sobre a gravidade e extensão das possíveis violações cometidas pela Prevent Senior indicam que a ANS falhou reiteradamente em perceber o problema e investigar adequadamente as reclamações feitas pelos consumidores.
Oficialmente, a agência negligenciou alertas e pedidos de explicação feitos por instituições como o Idec (Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor), que enviou três notificações extrajudiciais à operadora. Mas isso não significa que a ANS não tenha condições de agir neste momento, recuperando o precioso tempo perdido.
Nos últimos dias, pressionada por todos os lados, a agência finalmente colocou sua máquina em funcionamento e ensaiou respostas à sociedade. Afirmou conduzir investigações internas e aplicou uma multa à empresa. O problema é que nenhuma dessas diligências administrativas terá impacto imediato para os usuários, que seguirão em potencial risco e cada vez mais inseguros. Isso nos leva de volta à segunda parte da pergunta: o que pode ser feito agora pela ANS para proteger vidas e direitos?
O órgão dispõe de um instrumento conhecido como direção técnica, que permite, independentemente de investigações em curso, intervir na administração da empresa para adequar os protocolos e práticas internos, visando proteger os beneficiários diante de crises assistenciais que coloquem a sua saúde em risco. De natureza excepcional, mas não extrema, esse regime permite aglutinar outros órgãos de controle e conselhos profissionais para avaliar e monitorar o atendimento prestado.
Na prática, a imposição da direção técnica significa a nomeação de um ou mais interventores com respaldo do próprio mercado para solucionar os problemas assistenciais identificados. Com esse instrumento em mãos, a agência poderá, por exemplo, acompanhar reclamações dos usuários sobre a qualidade dos serviços e alterar protocolos clínicos internos, adequando-os aos melhores parâmetros científicos. Também poderá, com o apoio de órgãos de classe e autoridades sanitárias, garantir o respeito à autonomia médica e à legislação.
Uma campanha lançada na semana passada por organizações da sociedade civil pede a adoção imediata do regime de direção técnica para proteger os usuários da Prevent Senior. Já foram disparados mais de 7.000 e-mails à diretoria colegiada do órgão, que ainda não respondeu formalmente.
Em um mercado caracterizado por insuficiências regulatórias que historicamente penalizam os mais idosos, é urgente que a ANS cumpra o seu papel e garanta a segurança dos pacientes diante da visão ideológica distorcida e da sanha de lucro de operadoras como a Prevent Senior.
Esperamos que o depoimento do diretor da agência, Paulo Rebello, à CPI da Covid-19, marcado para esta quarta-feira (6) no Senado, traga as respostas que a sociedade merece.
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