Descrição de chapéu
O que a Folha pensa

Fantasmas da igreja

Mais uma investigação, agora na França, mostra acobertamento de abusos sexuais

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Interior da igreja de Saint-Martin em Vertou, na Franç - Stephane Mahe/Reuters

Embora nas últimas décadas uma profusão de episódios de abuso sexual cometidos por membros da Igreja Católica tenha vindo a lume, não deixam de causar estarrecimento os números revelados por um relatório sobre o tema recém-divulgado na França.

Conduzido desde 2018 por uma comissão independente, o documento aponta que, de 1950 a 2020, 216 mil menores de idade, a maioria meninos de 10 a 13 anos, sofreram abuso por parte de integrantes do clero francês.

Se forem considerados também casos envolvendo leigos que trabalhavam para a igreja ou eram afiliados a ela, como professores de catequese, a quantidade de vítimas chega a nada menos que 330 mil. Mais da metade deles ocorreu nas décadas de 1950 e 1960.

O relatório, que busca responder às pressões de vítimas e familiares num momento de diminuição das congregações católicas naquele país, estimou ainda que algo entre 2.900 e 3.200 padres estiveram envolvidos nesses episódios acabrunhantes.

Para chegar a esses dados, a comissão de investigação analisou depoimentos escritos e orais de 6.500 vítimas ou pessoas próximas a elas e vasculhou arquivos públicos, de igrejas e da imprensa.

Mais do que trazer números, o relatório buscou descrever como a hierarquia eclesiástica francesa se esforçou para abafar os casos surgidos nas últimas sete décadas.

De acordo com o chefe da comissão, em vez de defender as vítimas de abusos, a igreja optou por fechar os olhos para as denúncias e proteger a si própria, agindo com “indiferença profunda, total e até cruel durante anos”.

Esse véu de silêncio deliberado e institucional também foi observado em outros países onde apurações do gênero foram conduzidas, como Irlanda, Polônia, EUA, Alemanha e Austrália, entre outros.

Reconheça-se que, sob o papa Francisco, a igreja passou a se empenhar muito mais do que no passado para romper essa cultura de silenciamento e enfrentar o gigantesco passivo acumulado.

Em 2019, o pontífice publicou normas que obrigam padres e bispos a relatar suspeitas de abuso sexual. Mais recentemente, endureceu as punições para clérigos que cometerem tais atos. Só o tempo atestará a efetividade das medidas.

Quanto ao caso francês, mais do que a reparação às vítimas e treinamento rigoroso aos clérigos que tenham crianças sob cuidado, como recomenda o relatório, é crucial garantir que, a partir de agora, todas as denúncias cheguem às autoridades policiais e judiciárias.

editoriais@grupofolha.com.br

  • Salvar artigos

    Recurso exclusivo para assinantes

    assine ou faça login

Tópicos relacionados

Leia tudo sobre o tema e siga:

Comentários

Os comentários não representam a opinião do jornal; a responsabilidade é do autor da mensagem.