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Claudia Valenzuela

O desafio da ressocialização

Alta da desigualdade impõe criar vagas para jovens

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Claudia Valenzuela

Diretora e representante do Unops Brasil (Escritório das Nações Unidas de Serviços para Projetos)

É preciso cuidar da juventude brasileira. A afirmação parece óbvia, mas se torna desafiadora quando olhamos para os adolescentes em conflito com a lei e que precisam ficar em estabelecimentos de privação de liberdade. Dados do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase) apontam que há cerca de 20 mil jovens em unidades de internação espalhadas pelo país, boa parte delas em condições precárias. Há, ainda, previsão de aumento da demanda por vagas no sistema socioeducativo nos próximos anos, em um cenário de aprofundamento das desigualdades sociais no mundo pós-pandemia.

Baseado em dados do Conselho Nacional do Ministério Público, do próprio Sinase (Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo) e em pesquisas junto aos estados, o Unops, escritório da ONU que atua em projetos de gestão pública justa e equitativa, infraestrutura e aquisições, analisou a realidade do socioeducativo no Brasil. O diagnóstico revelou graves problemas de infraestrutura nas 330 unidades em funcionamento, além de acompanhamento mal dimensionado dos jovens em suas atividades cotidianas.

De acordo com o estudo, mais de 40% dos centros socioeducativos não possuem espaços específicos para atendimento de saúde e, em 71% deles, são necessárias reformas nas quadras de esportes. Atividades pedagógicas ocorrem de maneira deficiente, pois faltam ambientes como salas de aula.

Dormitórios e banheiros acumulam vazamentos, infiltrações e falta de condições mínimas de salubridade. Essa realidade replica-se país afora e acarreta violação de direitos previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Em um estado da região Sudeste, quase 20% dos centros não têm chuveiro com água quente e, em 66%, as visitas dos familiares ocorrem em locais inadequados. Em outro, no Sul, 80% dos centros não possuem sala de informática e quase 60% não têm dormitórios acessíveis. As condições dos estabelecimentos dificultam, também, o trabalho dos socioeducadores —​que não contam com espaços de descanso, salas de trabalho e até banheiros, trazendo mais sobrecarga e tensão para as equipes.

Adicionalmente, o modelo atual é difícil de se sustentar. O custo médio mensal por adolescente no Brasil é de R$ 10,4 mil, com enormes disparidades regionais. Há estados que investem menos de R$ 3.000 por mês, enquanto outros destinam mais de R$ 20 mil, o que não necessariamente reflete em serviços de qualidade compatíveis com esse patamar de gastos.

Faltam dados e iniciativas de acompanhamento efetivo de jovens que saem das unidades e monitoramento contínuo das taxas de reincidência. Os centros socioeducativos refletem, ainda, desigualdades regionais e o abismo social brasileiro. Mais de 78% dos adolescentes que atualmente cumprem alguma medida socioeducativa têm entre 15 e 17 anos, e 59% deles são negros. A imensa maioria (95%) é do sexo masculino. Associado a isso, 72% das famílias desses jovens recebem de um a três salários mínimos por mês, e 25% delas, menos de um salário mínimo (R$ 1.100).

Para dar conta desse cenário e garantir o cumprimento do ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) e de tratados internacionais dos quais o Brasil é signatário, é preciso estabelecer mais e melhores critérios técnicos para a realização de investimentos no sistema socioeducativo. É muito importante conjugar a projeção acumulada da demanda por internação com a necessidade de aprimoramento na oferta de vagas já existentes (seja com melhorias de infraestrutura, seja com o atendimento mais qualificado aos adolescentes). Os estados deveriam levar em conta tais premissas para atualizar seus planos decenais.

Por fim, é preciso fortalecer o diálogo e a parceria entre os entes federativos, conselhos, organizações da sociedade civil e iniciativa privada. O acolhimento dos jovens e o incentivo para que busquem a reinserção na sociedade é uma tarefa de todas e todos nós e se alinha ao cumprimento dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável. O futuro da juventude —e, consequentemente, a promoção da equidade de oportunidades— depende de nosso compromisso. Não podemos deixar ninguém para trás.

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